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O descalabro da educação

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Por Redação
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Seis meses depois de a presidente Dilma Rousseff ter anunciado que o lema de seu segundo mandato seria “Brasil, pátria educadora”, o setor se encontra em estado crítico.

No plano financeiro, o governo está atrasando o pagamento das universidades americanas que acolheram estudantes do programa Ciência sem Fronteiras. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que prometeu 3 milhões de vagas em 2015, abriu apenas 1 milhão. Por causa do ajuste fiscal, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) dificultou a renovação de contratos já assinados, limitou a assinatura de novos contratos e aumentou os juros dos empréstimos. Com o contingenciamento das verbas do ensino superior, as universidades federais estão sem recursos para pagar despesas de custeio.

No âmbito administrativo, a situação é também caótica, pois um número expressivo de Estados e municípios não elaborou seus projetos educacionais, com base nas novas diretrizes do Plano Nacional de Educação (PNE), como estava previsto. O prazo venceu em junho. Esses projetos são fundamentais para que as metas do PNE, estabelecidas para os próximos dez anos, possam ser alinhadas às necessidades e especificidades de cada rede local de ensino.

Temendo não receber recursos do Ministério da Educação (MEC) por descumprir o prazo, vários prefeitos formularam a toque de caixa projetos com base numa minuta distribuída pelas autoridades educacionais federais, desprezando as especificidades sociais, econômicas e culturais de suas redes de ensino. As estimativas são de que mil leis, praticamente iguais, foram aprovadas por Câmaras Municipais.

A criação de um currículo nacional para o ensino básico enfrenta, igualmente, problemas de gestão. O projeto tem de ser enviado até junho de 2016 para o Conselho Nacional de Educação, após consulta pública nacional. Encarregado de promovê-la, o MEC criou 29 comissões e reuniu 116 consultores, que vão indicar o que deve ser ensinado, da educação infantil ao ensino médio. Mas, temendo pressões políticas e corporativas que poderão contaminar a consulta pública, os especialistas em ensino básico afirmam que, se a proposta de currículo nacional for genérica, ela terá pouca serventia para os professores. Se for muito detalhada e enviesada ideologicamente, inibirá a criatividade docente.

Os especialistas receiam ainda que a criação de um Sistema Nacional de Educação, cujo formato está sendo proposto pelo MEC, entronize de vez o corporativismo e engesse o setor educacional, pois prevê regras complexas a serem estabelecidas por assembleias, comitês e conselhos. Além de diluir responsabilidades, esse processo abre caminho para que verbas destinadas às atividades-fim da área educacional sejam consumidas pelas atividades-meio.

No plano institucional, a área educacional está sendo minada por impasses políticos e instrumentalização partidária. Perante uma plateia de educadores e políticos na sede de seu instituto, o ex-presidente Lula cobrou do ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, maior exploração midiática do PNE, que está completando um ano. “Uma coisa dessa envergadura foi aprovada e o PT e o movimento social pouco falam disso. É preciso transformar esse plano em instrumento político que possa fazer com que o movimento sindical e o movimento social saiam da luta econômica e passem a discutir outras coisas importantes que estão no nosso nariz”, afirmou.

Janine, contudo, tem pouca margem de manobra para agir, uma vez que Dilma encomendou ao secretário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, um projeto de reforma do sistema educacional. Desde então, Unger vem convocando especialistas e organizações da sociedade civil para participar de discussões sobre mudanças curriculares, sem avisar Janine, que também criou comissões para ouvir prefeitos e governadores com o mesmo objetivo. “O MEC não apresentará um projeto de sábios externos ao mundo real”, disse Janine, lançando farpas contra Unger e deixando claro que, mais hora menos hora, Dilma terá de demitir um dos dois. Isso dá a dimensão do descalabro que persiste na educação brasileira.