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O dever constitucional do STF

Muito se tem questionado acerca da capacidade da Corte de processar e julgar numerosos processos, mas cabe indagar por que o Supremo não se estruturou para cumprir a contento o que determina a Constituição

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Por Redação
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Um falso debate tem ocupado importante espaço na agenda nacional. Segundo dados do Ministério Público Federal (MPF), em três anos recém-completados, a Operação Lava Jato já levou ao Supremo Tribunal Federal (STF) 111 inquéritos – 83 deles originados da colaboração premiada de 77 ex-funcionários da Odebrecht –, 20 denúncias foram apresentadas e 12 foram aceitas, convertendo-se em ações penais em andamento na Corte Suprema. Diante de números tão expressivos – e que dão a medida do grau de corrupção que parece lubrificar as engrenagens dos mais altos escalões da República –, muito se tem questionado acerca da capacidade do STF de processar e julgar tamanho número de processos.

Segundo ex-ministros da Corte, juízes, procuradores, advogados e jornalistas, os entraves ao bom termo da Operação Lava Jato no STF – ou seja, o julgamento em prazo aceitável e a eventual condenação daqueles que forem considerados culpados – seriam o foro especial por prerrogativa de função, ou o foro privilegiado, e a inadequação daquele tribunal para instruir ações de natureza penal.

Hoje, mais de 20 mil funcionários públicos, dos Três Poderes da República, têm direito ao foro especial por prerrogativa de função. Como determina o artigo 102 da Constituição Federal, cabe ao STF processar e julgar, originariamente, as infrações penais comuns do presidente da República, do vice-presidente, dos membros do Congresso, de seus próprios ministros e do procurador-geral da República. Além destas autoridades, também é de competência exclusiva do STF o processo e julgamento das infrações penais comuns e dos crimes de responsabilidade dos ministros de Estado, dos comandantes das Forças Armadas, dos membros dos demais Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e dos chefes de missões diplomáticas de caráter permanente. Na verdade, a competência do Supremo para processar e julgar acusados com prerrogativa de foro está estampada na Constituição desde 1891.

Ressalte-se que o receio de que o Supremo não se desincumba a contento de sua função não é infundado. Baseia-se no histórico de produtividade do STF no julgamento de ações penais contra as autoridades sob sua jurisdição. De acordo com recente levantamento do Supremo em Números, da FGV Direito Rio, a Corte Suprema leva, em média, 2.174 dias para concluir um inquérito e julgar uma ação penal. Não são raros os casos de prescrição no curso do processo.

É possível que se discuta a pertinência de haver um número tão elevado de ungidos pelo foro especial. O caso brasileiro não encontra paralelo em outras nações onde vige plenamente o Estado Democrático de Direito. Todavia, não se está diante de uma inovação jurídica concebida especialmente para obstar o bom andamento dos trabalhos da força-tarefa da Operação Lava Jato. Em outubro de 2018, a Constituição Federal completará três décadas de vigência, e desde seu primeiro dia como nossa Lei Máxima a competência originária do STF para processo e julgamento das infrações penais comuns daquelas autoridades é um dado conhecido. Visto que não foram poucas as acusações de crimes julgados pela Corte envolvendo o alto escalão da República nestes últimos 30 anos, cabe indagar por que o Supremo Tribunal Federal não se estruturou para cumprir a contento o que determina a Constituição.

Discute-se ainda se ações de natureza penal deveriam ser objeto de julgamento pela Corte que, eminentemente, deveria se ocupar das questões constitucionais. Ora, assim como o foro especial por prerrogativa de função, a competência penal do Supremo para processar e julgar determinadas autoridades é dada pela Carta Magna.

A alteração das normas que regem a concessão do foro especial por prerrogativa de função e a competência do STF para instrução e julgamento de ações penais deve, necessariamente, passar por processos de emendas à Constituição no âmbito do Congresso Nacional. Isso, sim, nesse momento, poderia pôr em risco o bom termo da Operação Lava Jato na instância máxima. Melhor para o Brasil que o STF elabore um plano de trabalho para dar conta do volume de processos que haverá de cuidar e, assim, cumpra o seu desígnio constitucional.