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O dinheiro do FGTS

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Por Redação
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Formado por representantes do governo, dos empregadores e dos empregados, o Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é, teoricamente, um órgão habilitado a aprovar a destinação dos recursos do fundo de acordo com os interesses do País e, sobretudo, dos trabalhadores, os verdadeiros donos do dinheiro. E é muito dinheiro. A mais recente revisão do orçamento do FGTS para 2010 elevou para R$ 71,8 bilhões o total de aplicações em áreas como habitação, saneamento básico e infraestrutura em geral.Mas, dominado pelo governo - que tem metade de seus membros, entre eles o presidente, que dispõe de voto de qualidade para os casos, raros, em que houver empate -, o Conselho Curador não tem sido capaz de evitar a aplicação do dinheiro do trabalhador em operações ou projetos polêmicos, que ampliam a presença do Estado na economia, mas nem sempre estão cercados das garantias usuais e muito menos asseguram a melhor remuneração do investimento.Depois de examinar as aplicações dos recursos do fundo ao longo do ano passado, inclusive as operações de R$ 17 bilhões do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS), administrado pela Caixa Econômica Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) constatou que foi paga à Caixa taxa de administração acima das cobradas pelo mercado, houve cobrança superposta de taxas, foram feitos investimentos em ativos de baixa rentabilidade e não foram considerados adequadamente os riscos para a compra de ativos não cotados em bolsa.O FI-FGTS "provoca um círculo virtuoso na economia", justificou o superintendente nacional de Fundos de Investimentos Especiais da Caixa, Roberto Carlos Madoglio, em entrevista ao Estado. "Quanto mais invisto, mais crio empregos, mais aumento a contribuição no FGTS e mais posso investir no próximo ano."Se as aplicações fossem as mais adequadas para o FGTS, tudo poderia se passar desse modo. Mas, entre as operações com o dinheiro do trabalhador, há algumas polêmicas. Como mostrou reportagem de Renée Pereira no Estado de domingo, entre elas estão as participações nas empresas Nova Cibe Energia - do Grupo Bertin (que participa do consórcio responsável pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte) - e Rede Energia, que tiveram problemas financeiros nos últimos anos.A Nova Cibe não apresentou no prazo as garantias exigidas para a construção de 21 termoelétricas leiloadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foi multada e atrasou as obras. Mesmo assim, obteve R$ 240 milhões do FI-FGTS. O Grupo Rede administra nove distribuidoras de energia e, em 2008, teve de recorrer ao BNDES para converter uma dívida de R$ 115 milhões em ações, mas, em meados deste ano, recebeu R$ 600 milhões do FI-FGTS. Outra operação cujos resultados mereceram ressalva da CGU envolveu a compra, com recursos do FI-FGTS, de R$ 6,81 bilhões em debêntures do BNDES com remuneração abaixo da oferecida pela instituição a outros compradores e abaixo também da remuneração obtida pelo fundo em outras aplicações.O superintendente da Caixa garante que os projetos passam por um rigoroso processo de avaliação de um comitê, formado por 12 dos 24 membros do Conselho Curador do FGTS. Mas o papel do comitê é questionado.Sua atuação apressa as decisões, "mas não evita que haja algum direcionamento dos recursos do trabalhador para determinados projetos", observa o economista Ernesto Lozardo, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. "Querendo ou não, o fundo dá um poder enorme ao governo." O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, acredita que o comitê existe apenas para "dar respeitabilidade" às operações do FI-FGTS.Esse fundo se tornou uma brecha por meio da qual o governo vira sócio de empresas privadas. "Será que o volume transferido é justo? Será que as empresas têm idoneidade suficiente para cuidar desse dinheiro?", pergunta o professor Otto Nogami, do Instituto Insper.