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O duplo acerto do Copom

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Por Redação
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Foi duplamente correta a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter em 14,25% a taxa básica de juros. Em primeiro lugar, seria inadequado afrouxar os controles, neste momento, mesmo se fosse mais clara a perspectiva de baixa da inflação. O novo chefe do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, já assumiu o cargo e em julho comandará pela primeira vez uma reunião do comitê. Seria no mínimo falta de gentileza adiantar qualquer mudança na política anti-inflacionária. Em segundo lugar, a manutenção dos juros foi justificada amplamente pela forte instabilidade dos preços. Com ou sem mudança na cúpula da instituição, o corte da taxa seria arriscado e poderia afetar negativamente as expectativas no mercado.

Na manhã de quarta-feira, mais de dez horas antes de terminar a reunião do Copom, foram divulgados os novos números do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para as políticas oficiais. O ritmo de alta, segundo informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), passou de 0,61% em abril para 0,78% em maio, a taxa mais alta para esse mês desde 2008, quando havia chegado a 0,79%.

Sinais de um forte repique já haviam aparecido ao longo das duas semanas anteriores, com a divulgação de outras pesquisas. A inflação acumulada em 12 meses voltou a subir, depois de alguns meses de declínio, e bateu em 9,32%, muito longe, portanto, do limite de tolerância de 6,5% ainda em vigor neste ano. Analistas do mercado projetam um pequeno recuo neste mês, mas, ainda assim, haverá um longo caminho até a inflação chegar àquele limite.

Nem mesmo se pode prever com alguma segurança a repetição, em 2016, do padrão observado nos últimos anos, quando a inflação mensal diminuiu entre abril e julho e a partir daí voltou a subir. Essa trajetória já foi rompida em maio e nada, além da recessão, permite apostar em pressões inflacionárias muito menores nos próximos meses.

Os preços por atacado voltaram a subir mais velozmente em maio. A taxa passou de 0,29% em abril para 1,49% no mês passado, com forte aceleração nos preços de matérias-primas, bens intermediários e bens finais. Pelo menos parte desses aumentos poderá chegar ao varejo nos próximos meses, tornando mais difícil conter o avanço do IPCA.

Até agora, a alta dos preços finais só tem sido freada – e com resultados nada espetaculares – pela combinação de juros muito salgados, desemprego em alta, renda familiar em baixa e muita insegurança dos consumidores. O endividamento ainda pesado, a inadimplência considerável e a incerteza quanto à renda no curto e no médio prazos têm desestimulado as compras e, de modo especial, a busca de crédito. Do lado dos empresários, a insegurança continua inibindo a contratação de pessoal e o investimento produtivo, até porque ainda há muita capacidade ociosa. Essa capacidade será suficiente para sustentar o crescimento na fase inicial de retomada, ainda fora do radar.

Mas o principal fator de incerteza quanto à evolução dos preços continua sendo o estado das contas públicas. Se consumidores e empresários se animarem de novo e os negócios voltarem a se animar, como estarão as pressões inflacionárias? Sem um forte ajuste das contas oficiais, por enquanto prometido e ainda mal iniciado, o desarranjo fiscal poderá de novo afetar os preços, se a atividade se intensificar.

O novo presidente do BC conhece bem todos esses desafios. Em sua sabatina no Senado, falou sobre a importância de contenção dos gastos e de recuperação das finanças oficiais. Mais que isso defendeu a plena restauração do tripé macroeconômico – responsabilidade fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante. Ele comandará em julho pela primeira vez uma reunião do Copom. Se tudo correr muito bem até lá, ainda sobrarão muitas incertezas políticas e econômicas. É difícil, por enquanto, imaginá-lo com disposição para afrouxar a política monetária enquanto o horizonte estiver tão enevoado.