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O falso debate sobre a CLT

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Por Redação
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Fiel à estratégia de atribuir a seus adversários ideias e propostas que eles não defenderam, a presidente Dilma Rousseff insinuou que a candidata Marina Silva (PSB), ao pregar mudanças na legislação trabalhista, pretende cassar direitos consagrados, como férias e décimo terceiro salário. Esse tipo de comportamento serve apenas para confirmar a opção de Dilma e dos petistas pelo discurso do medo - deixando em segundo plano o debate de um tema de grande importância para o País, pois o anacronismo da legislação trabalhista engessa o mercado de trabalho e dificulta o empreendedorismo.Na terça-feira passada, Marina disse em encontro com empresários que é favorável a uma atualização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ciente de que poderia ser mal interpretada, a candidata enfatizou, "para que não fique nenhuma dúvida", que não se trata de promover mudanças em "prejuízo das conquistas que os trabalhadores a duras penas alcançaram".A claque petista na internet imediatamente passou a reproduzir a fala de Marina como prova de que sua candidatura pretendia extinguir direitos dos trabalhadores. No dia seguinte, com o tom agressivo que tem marcado seus discursos, Dilma também defendeu a atualização da legislação para atender às novas relações de trabalho, mas declarou: "Agora, vamos ter clareza disso, (mudar) décimo terceiro, férias e hora extra, isso eu não mudo. Eu não mudo direitos na legislação trabalhista".Sua resposta, dada a um empresário que lhe indagara sobre suas propostas para a modernização da legislação, foi muito além do que havia sido perguntado, deixando no ar que seus adversários - principalmente Marina, que falara do assunto um dia antes - têm a intenção de acabar com aqueles direitos.Os petistas são craques nessa artimanha, que visa a criar confusão e a obrigar os adversários a passar a campanha justificando posições que eles nunca tiveram. No segundo turno da campanha de 2006, por exemplo, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à reeleição, acusou o adversário tucano, Geraldo Alckmin, de planejar privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. "Não há nenhuma linha do meu programa de governo que diga isso", tentou responder Alckmin, em vão. Ele teve de passar todo o resto da campanha negando o que nunca dissera e chegou a vestir um casaco e um boné com marcas de estatais para tentar desfazer o estrago.Em campanhas eleitorais, como ensinou a própria Dilma, há quem se prontifique a fazer "o diabo" para ganhar. Mesmo assim, espera-se um mínimo de racionalidade - para não falar em respeito a princípios éticos - nos debates entre os candidatos, especialmente da parte de quem já ocupa a Presidência da República. Além disso, o tema das mudanças na legislação trabalhista não pode ser tratado dessa forma leviana.É bom que se frise que nenhum dos três principais candidatos deixou claro quais são suas propostas a esse respeito. Marina, por exemplo, admite que ainda não definiu o que pretende mudar. "É uma discussão delicada e ainda não está resolvida dentro da nossa aliança", disse ela. Essa indefinição trai o receio de ser vista como algoz dos trabalhadores.O problema é que o algoz dos trabalhadores e do mercado de trabalho é justamente a inadequação da CLT aos novos tempos. Herança do Estado Novo varguista, essa legislação encarece a contratação de mão de obra, dificulta as negociações salariais e não reconhece vínculos empregatícios distintos dos tradicionais. É também essa legislação, tratada como texto sagrado pelos tribunais e por alguns sindicatos, que impede que empresas e empregados acertem as condições de trabalho que considerem mais adequadas. Não raro, acordos que, por exemplo, flexibilizam horários de expediente são rejeitados na Justiça do Trabalho com base na CLT.O eleitor, seja ele trabalhador ou empresário, tem o direito de saber o que pensam os candidatos a respeito desse assunto. Mas parece que a mistificação vai, de novo, prevalecer.