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O fim de uma mordomia

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Por Redação
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Ainda falta a votação na Câmara dos Deputados, mas neste momento em que o País é inundado por uma cachoeira de corrupção merece ser comemorada a aprovação, pelo Senado, do Projeto de Decreto Legislativo 71/2011, que acaba com o pagamento anual do 14.º e do 15.º salários aos membros do Congresso Nacional. Se alguém se surpreende com esta notícia ou ignorava o fato de que deputados federais e senadores ganham 15 salários por ano, a explicação certamente está em que esse assunto sempre foi tratado com a mais absoluta discrição no Parlamento. Uma discrição tão absoluta que a notícia da votação realizada no plenário da Câmara Alta, na noite da última quarta-feira, passou praticamente despercebida pela mídia e foi registrada com apenas sete linhas numa página secundária do portal de notícias da Casa. Pagos a título de ajuda de custo há 66 anos, desde a promulgação da Constituição de 1946, esses dois salários extras que agora deverão ser abolidos custam anualmente, apenas para o Senado, mais de R$ 4,3 milhões. Na Câmara a despesa anual é, claro, muito maior: R$ 27 milhões. Nas duas Casas os pagamentos são feitos no início e no fim de cada ano. Essa ajuda foi criada, originalmente, para custear as despesas de mudança do parlamentar de sua cidade para a capital da República, no início da legislatura, e de volta, ao final do mandato. Com o tempo, a ajuda tornou-se anual. Quando o cancelamento desse benefício entrar em vigor, os parlamentares receberão essa ajuda de custo duas vezes: uma no início e outra no fim do mandato. O projeto que acaba com a mamata anual dos 15 salários é de autoria da senadora licenciada Gleisi Hoffmann, atual ministra-chefe da Casa Civil, e estava engavetado no Senado há mais de um ano. Voltou a tramitar depois que o diário Correio Brasiliense, do Distrito Federal, passou a martelar o assunto com persistência, principalmente após ter apurado, em março último, que os senadores driblam o Fisco e não descontam Imposto de Renda sobre esses benefícios. A denúncia chamou a atenção da Receita Federal, que instaurou os procedimentos necessários à cobrança, com multa, dos impostos devidos. Segundo o jornal, até que esse assunto se tornasse público em razão das reportagens, a maior parte dos senadores, inclusive líderes de bancada, demonstrava claro constrangimento com a matéria e preferia não se manifestar sobre ela. Já durante o encaminhamento da votação na sessão plenária de quarta-feira à noite, desfilaram pela tribuna várias manifestações de vigoroso apoio à medida, inclusive por parte de senadores que em ocasiões anteriores não consideravam o assunto com grande entusiasmo. Falando na condição de relator do projeto, o senador Lindberg Farias (PT-RJ) interpretou o que parecia ser sentimento dominante no ambiente: "Estou muito feliz. Tive o prazer de ser o relator deste projeto. É simples. Hoje, não faz o menor sentido os senadores e os deputados continuarem recebendo 14.º e 15.º. Quando foram criados, fazia sentido, porque os parlamentares precisavam se deslocar com as famílias todos os anos para o Rio de Janeiro" - que, à época, era a capital da República. Mas, apesar de aparentemente todo mundo concordar que a mordomia que estava sendo enterrada "não tem cabimento", ninguém perdeu tempo tentando explicar por que os nobres parlamentares demoraram mais de meio século para chegar a tão brilhante conclusão. Ou porque o deslocamento de deputados, senadores e familiares para Brasília é muito diferente do que a mudança para o Rio de Janeiro. De qualquer modo, parece que finalmente acaba se impondo, na cabeça dos representantes do povo, a evidência de que é um verdadeiro absurdo o pagamento de 15 salários anuais aos membros do Congresso Nacional - prática que as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais imitaram em todo o País. A tramitação desse projeto no Congresso deve ser concluída rapidamente. No Senado, ele foi aprovado sem nenhuma emenda. E consta existir um entendimento entre as lideranças, na Câmara dos Deputados, para que também lá a matéria seja aprovada rapidamente e sem modificações. É de esperar que a novidade se estenda ao âmbito dos legislativos estaduais e municipais.