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O G-20 em guerra

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Por Redação
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A guerra cambial vai ser o assunto mais importante da próxima reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20), marcada para quinta e sexta-feira em Seul. Tudo está armado para um grande confronto. A palavra guerra podia ser um exagero até agora, mas o ambiente, já envenenado, piorou muito desde a semana passada, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) anunciou a disposição de lançar US$ 600 bilhões nos mercados até o meio do próximo ano. Se o plano for cumprido, serão emitidos em média US$ 75 bilhões por mês. Ninguém sabe se isso ajudará a economia dos Estados Unidos a recuperar-se, mas sobre um ponto não há dúvida: com as novas emissões a depreciação da moeda americana tenderá a acentuar-se e isso agravará os problemas comerciais da maior parte dos países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento. O Brasil, já afetado há alguns anos pela valorização do real, sofrerá perdas maiores em suas contas externas, se o desajuste cambial se acentuar. O presidente Barack Obama enfrentará, em Seul, forte resistência às suas propostas. Sem a promessa do Fed de emitir os US$ 600 bilhões, o presidente americano poderia mais facilmente mobilizar o apoio de outros países desenvolvidos para pressionar a China a valorizar o yuan. Afinal, todos se queixam, desde antes da crise mundial, da manipulação do câmbio pelas autoridades chinesas. A nova proposta americana concentra a pressão sobre a China e é mais aceitável para os alemães do que aquela apresentada há algumas semanas no encontro ministerial, em Gyeongju, preparatório da reunião de cúpula. Naquela reunião, o secretário Timothy Geithner defendeu a adoção de um limite para os superávits ou déficits das contas externas - 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Os alemães, com superávit de 6,1% em transações correntes, reagiram muito mal e alegaram fazer parte de uma união monetária, a do euro. Não poderiam, portanto, valorizar sua moeda. Em seu novo lance, o governo dos Estados Unidos leva em conta esse argumento e, além disso, propõe uma "banda indicativa" para a adoção de políticas de ajuste. O confronto direto, portanto, é com a China, detentora de superávit de 4,7% nas contas correntes. Mas a política americana de afrouxamento monetário - embora realizada por um banco central independente do Executivo - foi recebida com críticas muito duras por governos de países tanto desenvolvidos quanto emergentes. O presidente Barack Obama resolveu buscar algum apoio por meio de ações paralelas. Em Nova Délhi, ontem, o presidente americano declarou apoio à inclusão da Índia no Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro permanente. O governo brasileiro até hoje não conseguiu esse apoio e não se pode prever se um dia conseguirá. Além disso, Obama anunciou o afrouxamento de restrições à exportação de certos tipos de tecnologia à Índia. O governo brasileiro pretende incluir na declaração final do encontro uma recomendação para o uso de "instrumentos macroprudenciais" para controle dos fluxos de capital. Em linguagem comum, isso corresponde a "controles". Não será uma revolução. Desde o ano passado o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem apoiado o uso temporário de controles e o governo brasileiro já os adotou. Além disso, as autoridades brasileiras têm criticado as propostas americanas de limite para os desequilíbrios externos e atribuem às políticas dos Estados Unidos o agravamento da desordem cambial. Na interpretação brasileira, o governo chinês tem apenas procurado compensar a depreciação do dólar. Essa interpretação omite um fato: o yuan já era subvalorizado antes da crise e o governo chinês continua manipulando a moeda. Só uma decisão ideológica - mais um lance terceiro-mundista - pode explicar o alinhamento brasileiro nesse caso. Os chefes de governo deverão discutir também a reforma do sistema financeiro. O roteiro está praticamente montado. Outro dado positivo se refere à redistribuição de cotas e votos no Fundo Monetário Internacional. O esquema geral foi aprovado sexta-feira passada pela diretoria executiva da instituição. É uma boa notícia, mas não resolve a disputa cambial.