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O incerto futuro do Iraque

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Por Redação
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Da mesma mesa no Salão Oval da Casa Branca de onde, na noite de 20 de março de 2003, o então presidente George W. Bush anunciou a invasão do Iraque, o seu sucessor Barack Obama dirigiu-se na terça-feira ao povo norte-americano para comunicar formalmente, como estava previsto, o fim das operações militares dos EUA no país. Na sua fala austera de 18 minutos, ele se guardou de empregar o termo "missão cumprida", embora - para não dar mais munição aos seus opositores republicanos neste ano eleitoral - dissesse que "estivemos à altura de nossas responsabilidades". "Agora", emendou, "é tempo de virar a página."Antes fosse tão simples. A pretexto de extirpar o perigo dos alegados arsenais de destruição em massa do ditador Saddam Hussein, a guerra de sete anos e mais de US$ 1 trilhão custou a vida de cerca de 100 mil civis e 4.400 soldados das forças invasoras, além de obrigar 2 milhões de iraquianos a se refugiar no exterior. E não deixou um país estável, com um Estado funcional, a caminho de construir instituições democráticas sólidas - outra falsa meta que o governo Bush invocou quando ruiu a ficção das armas de Saddam. Na realidade, soube-se depois, o tirano dava a entender que as tinha para não ser derrubado por seus próprios generais.A um custo extravagante, por onde se queira medir, o Iraque se tornou um país mais livre do que os seus vizinhos árabes (para não mencionar o Irã persa), com a provável exceção do Líbano. Sírios, egípcios e sauditas, por exemplo, apenas podem sonhar com as três vezes em que os iraquianos foram às urnas, sob a ocupação, para aprovar uma Constituição e escolher dois sucessivos governos, em eleições competitivas e razoavelmente limpas. É verdade também que Bagdá é hoje uma capital menos ensanguentada do que há 2 ou 3 anos. Mas, enquanto 50 mil soldados americanos preparavam a retirada, 57 iraquianos morriam num ataque suicida.A violência vai continuar, reconheceu Obama. A esperança é que os outros 50 mil americanos a permanecer no país até dezembro de 2011 - sob comando não mais do Pentágono, mas do Departamento de Estado - consigam treinar contingentes policias e militares locais em número e qualidade suficientes para conter o terror de inspiração fundamentalista ou de grupos sectários. Afinal, os antagonismos etnorreligiosos desse país unificado artificialmente pelo imperialismo britânico podem irromper com renovada virulência. O Irã continua a armar e treinar militantes iraquianos.Não são poucos, no país, os pessimistas em relação ao que o espera na ausência das forças americanas de combate. Recentemente, o comandante militar iraquiano Babaker Shawkat Zebari disse que preferia que as tropas ficassem até 2020, quando então, presumivelmente, o Iraque poderia assumir a responsabilidade plena por sua segurança. O mesmo ceticismo é externado pelo ex-primeiro-ministro Ayad Allawi, cuja aliança partidária ganhou por duas cadeiras de vantagem as eleições parlamentares de março. Desde então, os querelantes políticos iraquianos não conseguiram chegar a um acordo para formar um novo governo.Dias atrás, numa entrevista ao semanário alemão Der Spiegel, Allawi considerou nada menos do que "crítica" a situação de seu país. Para ele, se não tiver um governo equilibrado, que dê prioridade à reconciliação nacional, o Iraque poderá se tornar um Estado falido. "Se isso acontecer", imagina, "a caixa de Pandora se abrirá novamente e a violência tornará a aparecer." Nesse sentido, não basta aos americanos sair e lavar as mãos: tudo terá sido em vão se o que vier em seguida for um retrocesso - do qual o Irã lucrará ainda mais do que já lucrou com a invasão. Não se imagina como um Iraque politicamente falido, encharcado de corrupção, incapaz de prover serviços básicos aos seus habitantes e dilacerado por conflitos revigorados possa coexistir com o grande desígnio de Obama para o Oriente Médio e a Ásia Central, que compreende a paz entre israelenses e palestinos, a desnuclearização do Irã e o desmantelamento da Al-Qaeda no Afeganistão.