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O jogo de Trump e Putin

A decisão do presidente Vladimir Putin de expulsar 755 diplomatas da embaixada dos Estados Unidos na Rússia é apenas mais uma demonstração de que as relações entre os dois países só tem feito piorar

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Por Redação
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A decisão do presidente Vladimir Putin de expulsar 755 diplomatas da embaixada dos Estados Unidos na Rússia é apenas mais uma demonstração de que as relações entre os dois países, exatamente ao contrário do que pretendiam os dois líderes – desde quando Donald Trump ainda era candidato e o russo teria interferido nas eleições a seu favor –, só tem feito piorar. E nada indica, a curto prazo, que haja condições para que elas voltem a melhorar, apesar da grande importância das duas potências na cena internacional.

O que precipitou a atitude de Putin foi a aprovação pelo Senado norte-americano, na quinta-feira passada, de novas sanções contra a Rússia por causa das denúncias de ingerência na eleição presidencial do ano passado e que reforçam as que já haviam sido adotadas em 2014 quando aquele país, em guerra com a Ucrânia, anexou a Crimeia. Putin nem mesmo esperou Trump sancionar a lei para anunciar a sua represália às sanções, que inclui também o fechamento de dois edifícios em Moscou, uma residência de verão e um armazém, todos pertencentes à embaixada.

O presidente russo deixou aberta a possibilidade de endurecer ainda mais o jogo: “Podemos pensar em outros tipos de respostas, mas espero que não tenhamos que fazer isso”. Apesar de ter 755 de seus diplomatas expulsos, os Estados Unidos ainda têm um número desses funcionários superior ao dos russos nos EUA, o que garante a Putin certa margem de manobra sem infringir as regras de reciprocidade nesses casos. Mas o líder russo, reconhecido como um jogador frio, extremamente hábil e atento às relações de força, sabe quais são os seus limites.

Mesmo que possa contar com a boa vontade de Trump, a maioria maciça que apoiou as sanções no Congresso não deixa dúvida de que, com relação à Rússia, o presidente americano dificilmente terá o apoio dos republicanos. E como as sanções atingem a Rússia por razões mais amplas, que vão além da ingerência na eleição americana, Putin parece compreender que elas lhe sugerem prudência. Daí por que, após ameaça de novas represálias, fez um diplomático gesto de boa vontade, permitindo aos Estados Unidos escolher quais serão os 755 funcionários a serem expulsos. E uma concessão a mais: incluir entre eles cidadãos russos que trabalham para os Estados Unidos.

Moscou sabe também que as novas sanções impostas por Washington não são bem vistas por importantes países da União Europeia (UE), que têm grandes negócios com a Rússia, principalmente na área de energia. Muitos deles têm forte dependência do gás russo, sem falar nos investimentos de grandes empresas europeias na Rússia. Isso explica as reticências e as cautelas com que países como a Alemanha receberam a aprovação das sanções pelo Congresso dos Estados Unidos. A UE acompanhou os Estados Unidos na condenação da anexação da Crimeia e na tentativa de conter a Rússia na sua tentativa de interferir na Ucrânia, mas sempre de maneira mais contida.

Em 29 de dezembro de 2016, o governo do presidente Barack Obama, já havia expulsado 35 diplomatas russos, como represália pela ingerência do serviço secreto russo, ou organizações a mando dele, na eleição americana para prejudicar a candidata Hillary Clinton. Os russos protestaram – como era de esperar e como já havia acontecido antes com as sanções provocadas pelo caso da Ucrânia e da Crimeia –, mas acabaram assimilando o golpe.

É o que provavelmente vai acontecer mais uma vez, apesar do jogo de cena e da troca de ameaças. O que está em jogo na cena internacional, entre Estados Unidos e Rússia – no Leste Europeu e no Oriente Médio, para citar apenas dois exemplos de áreas sensíveis –, é muito importante para permitir que um ou outro perca o senso de medida. Mas, afora isso, uma coisa parece certa: o presidente Trump deve pagar ainda durante bom tempo um alto preço pelas suspeitas cada vez mais fortes de ingerência dos russos na eleição a seu favor e do estranho envolvimento de pessoas próximas a ele com funcionários de Moscou.