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Opinião|O maior espetáculo da Terra

Atualização:

Durante recente passagem pelos Estados Unidos, pude acompanhar de perto o início da campanha para as prévias das eleições presidenciais, em novembro deste ano. O sentimento de frustração e desesperança, sobretudo da classe média, que mais perdeu na crise econômica que abalou os Estados Unidos há alguns anos, evidencia-se pela crítica generalizada à classe política, aos interesses dos grupos econômicos e, em especial, às lideranças partidárias (establishment) de Washington.

É semelhante ao desânimo que se verifica hoje no Brasil, onde prevalecem as práticas pouco éticas e transparentes dos políticos, onde não existe um debate sério sobre o futuro do País, onde inexiste uma liderança forte no governo, na oposição, nos partidos e mesmo nos movimentos sociais.

O noticiário mostra o baixo nível da campanha eleitoral americana, que, em vez de focar nos problemas sociais, econômicos e de política externa no país mais poderoso do mundo – inclusive a questão dos imigrantes ilegais, a nova onda de refugiados do Oriente Médio e a percepção de ameaça terrorista –, está voltada para violenta troca de acusações entre os candidatos dentro de seus próprios partidos. Como no Brasil, a sociedade norte-americana está dividida e radicalizada. O Congresso, de maioria republicana, é tão disfuncional quanto o brasileiro, mas por motivos diferentes: bipartidarismo nos Estados Unidos e fragmentação partidária no Brasil.

A divisão em bases ideológicas paralisou as iniciativas do governo democrata que dependiam do Congresso. Mas não impediu que a liderança do presidente Barack Obama pudesse defender os interesses nacionais e conseguisse, sem o apoio do Legislativo, concluir as negociações do acordo comercial com os países asiáticos, o histórico acordo sobre o programa nuclear com o Irã e o restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba. 

Em janeiro, no pronunciamento perante o Congresso sobre o estado da União (state of the Union), Obama fez um corajoso relato das mazelas políticas de Washington e pediu uma reforma do sistema político no país, que poderia, sem retoques, ser aplicado ao cenário brasileiro. “Temos de reduzir a influência do dinheiro na política pela modificação das regras de financiamento das campanhas para evitar que um punhado de famílias e interesses escusos controlem as eleições... É fácil ser cínico e aceitar que as mudanças não são possíveis, que a política não tem jeito e acreditar que nossas vozes e ações não contam... Essas mudanças só ocorrerão quando o povo exigir as mudanças no processo político.”

No processo eleitoral americano a primeira fase é a das eleições primárias, quando os potenciais candidatos se apresentam dentro de seus partidos a fim de obterem o apoio necessário para se consagrar o candidato de fato. Nessa etapa pouco se discutiu concretamente sobre programas e visões de futuro.

No Partido Republicano, conservador, apresentaram-se 12 candidatos e no Democrata, liberal, 4. Do lado republicano, as candidaturas de Donald Trump, bilionário empresário de sucesso, e Ted Cruz, senador pelo Texas, as mais reacionárias e conservadoras, estão na liderança com um discurso radical contra os imigrantes, mexicanos, mulheres, muçulmanos, contra o terrorismo e contra tudo o que o governo Obama representa em termos políticos, econômicos, sociais e de política externa. “Trump representa uma ameaça ao valores conservadores”, repetem algumas figuras de proa da direção do partido nos programas de rádio e televisão e na imprensa escrita. O apoio de Sarah Palin, membro do Tea Party, facção ultadireitista dos republicados e candidata a vice-presidente nas últimas eleições, acentuou a radicalização eleitoral.

No Partido Democrata, Hillary Clinton, favorita para uma vitória considerada fácil, enfrenta crescente oposição de um senador socialista, Bernie Sanders, de um pequeno Estado, que um de seus adversários disse ser um candidato perfeito para a Suécia...

Na primária em Iowa, que abriu o processo de escolha, os resultados são uma indicação do que poderá ocorrer nos próximos meses. O campo ficou reduzido a três candidatos republicanos (Ted Cruz, Trump e Marco Rubio, senador pela Flórida) e a dois democratas (Hillary Clinton e Bernie Sanders). Trump, que liderava as pesquisas nas duas primeiras primárias, e também nacionalmente, perdeu a prévia para Ted Cruz, apoiado pelos evangélicos.

O fenômeno Trump pode ser explicado pela facilidade de comunicação na mídia, especialmente na TV; pela reação às desgastadas posições politicamente corretas, ao adotar um discurso desabrido, oportunista, direto, sem meias-palavras, sobre todos os assuntos, que galvanizou as audiências conservadoras em todo o país; pelo encanto dos americanos por celebridades; e também pelo desencanto dos eleitores com a classe política de Washington, vista como ineficiente e corrupta. O populismo decididamente ganhou espaço na sociedade norte-americana. Resta aguardar para ver se a aura de ganhador de Trump se vai dissolver, como de certo modo prenunciado em Iowa.

Ainda é prematuro especular sobre os resultados das primárias dos dois partidos, pois o quadro continua extremamente fluido e indefinido. Na prévia de hoje, em New Hampshire, caso o senador Marco Rubio repita o desempenho de Iowa, poderá consolidar-se como a alternativa menos radical conservadora dentro do Partido Republicano. As primárias seguintes nos restantes 48 Estados poderão trazer mudanças importantes até julho, quando as convenções partidárias definirão os candidatos democrata e republicano.

O mundo acompanha a maior campanha eleitoral do mundo pelas consequências extremamente negativas para os Estados Unidos e para a comunidade internacional se a agenda republicana xenófoba, isolacionista e anticomércio internacional vier a prevalecer.

Rubens Barbosa é PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP