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O mínimo necessário

Mudanças aprovadas são um bom começo para a construção de um novo modelo em que o instinto de preservação dos políticos seja substituído pela vontade dos eleitores

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Por Redação
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A disfunção do regramento político-eleitoral brasileiro é tal que a ideia de vê-lo alterado completamente em sua estrutura por uma abrangente reforma política chega a parecer um devaneio. 

O sistema que aí está é fruto de décadas de propostas meramente casuísticas que foram aprovadas sem que a representação dos eleitores tivesse servido como inspiração maior para o legislador, além de sucessivos recuos nas tentativas de alterá-lo quando presentes as condições para tal, sempre subjugadas pelas conveniências políticas de ocasião.

Portanto, cada avanço há de ser celebrado como uma vitória por aqueles que estão genuinamente preocupados em dotar o País de um sistema político-eleitoral que seja capaz de traduzir fielmente o desejo manifestado pelos eleitores nas urnas.

A aprovação do texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 282/2016 – de autoria do senador Aécio Neves (PSDB-MG) – pela Câmara dos Deputados, que trata de dois importantes pontos da reforma política, deve ser tomada como um desses avanços que, embora pequenos diante do conjunto de mudanças que precisam ser feitas, são necessários.

Por 384 votos favoráveis e 16 contrários, o plenário da Casa aprovou, em primeira votação, o projeto que acaba com as coligações partidárias nas eleições proporcionais e institui a cláusula de desempenho, que restringe o acesso aos recursos do fundo partidário, às chamadas verbas de gabinete e à propaganda eleitoral de rádio e TV apenas aos partidos que atingirem um patamar mínimo de votos em determinado número de Estados.

As coligações de partidos em eleições proporcionais são das maiores afrontas à liberdade de escolha dos eleitores. É o tipo de artimanha que permite que partidos políticos muitas vezes sem nenhuma afinidade ideológica e programática unam-se tão somente para obter vantagens eleitorais, uma perniciosa simbiose cujo resultado mais daninho é a chamada crise de representatividade. De fato, é uma aberração a presença de parlamentares na chamada Casa do Povo sem que tenham recebido os votos que justifiquem o poder de representação do qual foram investidos.

Tão importante quanto acabar com as coligações partidárias que distorcem a vontade popular é impedir o acesso a recursos públicos a partidos políticos inexpressivos, não raro criados apenas para servir como plataforma de negociação de apoios em troca do acesso a dinheiro público. Já é uma excrescência por si só a liberação de acesso a tais verbas a partidos políticos, sejam quais forem, organizações privadas que deveriam ser financiadas por seus simpatizantes.

Não se trata aqui de desqualificar os partidos ditos pequenos, mas sim os partidos sem voto e representação congressual, que, em essência, nem sequer são partidos, mas meras organizações sociais privadas.

O texto aprovado pela Câmara prevê que para ter acesso às verbas partidárias o partido deverá obter 1,5% dos votos válidos nas eleições de 2018 ou ter nove deputados federais distribuídos por, pelo menos, nove Estados. O porcentual de desempenho aumentará gradativamente até as eleições de 2030, quando deve chegar a 3%.

Já o início da proibição de coligações proporcionais ainda é motivo de impasse entre os partidos e deverá pautar o debate na retomada da votação. A deputada Shéridan sustenta em seu relatório que a medida passe a valer a partir do ano que vem. Um destaque apresentado pelo PPS propõe a adoção do prazo original do projeto, aprovado no Senado, ou seja, a partir do pleito de 2020.

Não se pretende apenas com as mudanças aprovadas agora corrigir toda a engrenagem mal ajambrada que compõe o nosso sistema político-eleitoral, que o torna diretamente responsável pelo distanciamento cada vez maior entre representantes e representados. Mas é um bom começo para a construção de um novo modelo em que o instinto de preservação dos políticos seja substituído pela vontade dos eleitores.