Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O modelo chavista fica

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

O herdeiro político de Hugo Chávez, o vice-presidente venezuelano Nicolás Maduro, deve ter escolhido com cuidado o momento de culpar os "inimigos históricos" do autocrata pelo câncer que o matou na tarde de terça-feira, segundo a versão oficial de Caracas. Já de manhã, tanques cercaram o Palácio Miraflores, a sede do governo, sinal de que Chávez estava nas últimas, se é que ainda não havia expirado. Mais adiante, ao final de uma reunião da cúpula político-militar do regime - e duas horas antes de anunciar "a mais dura e trágica informação que podemos transmitir ao nosso povo" -, Maduro disse não ter dúvida de que um dia se provará cientificamente que Chávez "foi atacado com essa doença". De quebra, fez saber que mandara expulsar o adido militar dos Estados Unidos no país e o seu adjunto por terem procurado oficiais venezuelanos para "implementar projetos desestabilizadores".Não se pergunte como o "imperialismo" teria conseguido tornar canceroso o revolucionário que se erguera contra o seu império. Teorias conspiratórias não descem a irrelevâncias para os fins a que se destinam. De mais a mais, quando a ainda ministra Dilma Rousseff e, tempos depois, o já ex-presidente Lula contraíram a moléstia, o próprio Chávez disse que tinham sido "infectados" pelos EUA. Maduro, portanto, nem sequer inovou. O que de fato importa, de um lado, foram os coreografados movimentos que culminaram com a fatídica revelação e, de outro, os motivos que levaram o chavismo a transformar o falecido caudilho em vítima do opressor universal. Uma coisa e outra decerto resultaram de uma estudada articulação política para garantir a coesão do aparato chavista e fazer com que os venezuelanos cerrem fileiras ao redor do regime - e do seu legatário, Maduro.Parece claro que o desdobramento natural dessa operação será a deliberada ampliação das divisões entre os venezuelanos, com a estigmatização ainda mais intensa das forças democráticas. O alegado martírio de Chávez e a sua previsível beatificação pretendem, assim, deixar afônica a oposição na campanha para a nova eleição presidencial, a se realizar em até 30 dias, segundo a Constituição do país. Derrotar fragorosamente o provável candidato oposicionista Henrique Capriles é a meta do endurecimento. Em outubro do ano passado, quando Chávez conseguiu o seu quarto mandato com 55% dos votos, Capriles até que não fez feio com os seus quase 45%, dadas as condições desiguais da disputa. Isso, agora, seria muito para Maduro e a reafirmação da hegemonia do regime. O espectro do inimigo externo também virá a calhar quando o atual vice for obrigado a tomar medidas impopulares para tirar a economia nacional da crise em que o finado a mergulhou.O fim de Chávez, com seu extraordinário carisma e absoluto controle sobre a elite do poder, será o fim da sua autocracia - até onde a vista alcança, não há hipótese de Maduro mandar e desmandar à maneira do mentor. Ele assumiu o governo por decisão pessoal de Chávez, mas, para governar, dependerá do aval da maioria dos companheiros, que não raro se guerreiam a portas fechadas, e ainda do respaldo - por ora garantido - do "partido cubano" instalado nos organismos centrais do regime. A Venezuela deixaria, assim, de ser uma autocracia, mas não um Estado autoritário. Além de inerente à ideologia chavista, à sombra da qual o sindicalista Maduro se formou (com pós-graduação em Cuba), o autoritarismo será para ele um imperativo estratégico, um trunfo nos embates com os seus. Reformas políticas liberalizantes simplesmente não estão no horizonte do país.Em outras palavras, não é de imaginar o chavismo adotando o modelo brasileiro de políticas sociais inclusivas, no marco institucional da democracia. Ao lamentar a morte de Chávez, Dilma não se absteve de registrar que, "em muitas ocasiões, o governo brasileiro não concordou integralmente" com o venezuelano. Seja lá a que ela estivesse aludindo, é certo que Lula discordou da receita chavista de distribuição de renda com protoditadura. Antes dele, era com Fernando Henrique Cardoso, a quem chamava de mi maestro, que Chávez se aconselhava. FHC e Lula, no entanto, jamais foram influentes a ponto de modificar a vocação caudilhesca do coronel.