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O mundo não mudou com o 11 de Setembro

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Por Rubens Barbosa
3 min de leitura

Em 11 de setembro de 2001 o mundo surpreendeu-se com os ataques às torres gêmeas, ao Pentágono e, se um deles não tivesse sido abortado, possivelmente o Congresso ou a Casa Branca teriam sido atingidos. Como embaixador em Washington, acompanhei de perto a perplexidade da sociedade norte-americana ao ver aviões, sequestrados por membros da então pouco conhecida organização terrorista Al-Qaeda, serem usados como verdadeiros mísseis contra os símbolos do poder dos EUA em New York e em Washington.A reação do governo americano, no entanto, não tardou. A decisão do presidente George W. Bush de declarar combate total ao terrorismo e de proclamar, talvez de forma excessiva, os EUA uma nação em guerra recebeu apoio de todos os americanos. Formou-se um consenso de que o mundo a partir daquele instante seria outro. "O mundo mudou", era o que diziam os analistas e o que se lia na mídia internacional. Passados dez anos, já com alguma perspectiva histórica, cabe examinar quais as reais consequências daqueles atos terroristas.Ao contrário do que se afirmou na época e ainda hoje se repete, o mundo não mudou. O que de fato mudou foram os EUA - para pior - e a agenda internacional, na qual segurança e terrorismo passaram a ter prioridade absoluta, por influência de Washington.Os EUA, logo após os atentados, e durante o primeiro mandato Bush, reagiram com mão pesada e ampliaram as suas ações globais de forma unilateral.Embora o ataque ao Afeganistão tenha sido aceito pela comunidade internacional em virtude do objetivo declarado de capturar Osama bin Laden - responsável pelos atos terroristas -, a invasão do Iraque, baseada em evidências falsas, despertou condenação generalizada dentro e fora do país. A Estratégia de Segurança Nacional, de 2002, reforçou o poder dos EUA ao afirmar a nova doutrina de ação preventiva e de mudança de regime, para assegurar a defesa dos interesses do Estado norte-americano.O mundo naquele momento era unipolar, como já acontecia desde a queda do Muro de Berlim e a primeira Guerra do Golfo, em 1991. O multilateralismo estava em declínio e as Nações Unidas se viam marginalizadas.No âmbito doméstico, foram aprovadas legislações radicais que afetaram o modo de vida dos que vivem no território americano e arranharam a Constituição, no capítulo das liberdades civis. O Patriot Act, verdadeiro Ato Institucional n.º 5, suspendeu o habeas corpus, restringiu a livre movimentação de pessoas, invadiu sua privacidade e, por meio de ordens executivas presidenciais posteriores, permitiu o uso da violência física para obter informações, como comprovado pelas notícias de tortura em Guantánamo, Abu Ghraib (Iraque) e em alguns outros países ocidentais e do Oriente Médio, cooptados pelo governo dos EUA. Esses instrumentos de repressão a suspeitos de ações terroristas ainda estão em vigor.Algumas percepções - tomadas como verdades absolutas depois dos ataques - mostraram-se equivocadas: Os EUA manteriam um papel central no mundo e sua liderança global seria incontestável. Já no segundo mandato de George W. Bush a situação começou a mudar, mas a preocupação com o terrorismo se manteve alta. O poder unilateral dos EUA foi perdendo força, mas a doutrina da "guerra global contra o terror" não desapareceu, como se viu na invasão do espaço aéreo do Paquistão para capturar e matar Bin Laden e nos ataques com veículos não tripulados à liderança da Al-Qaeda no Afeganistão. A segurança do Ocidente ficaria refém da luta contra os terroristas islâmicos por longo tempo. Na realidade, o choque de civilizações não ocorreu e a ideia de que no século 21 seria criado um califado islâmico global provou ser uma fantasia dos conservadores bushistas. O Oriente Médio se transformaria por influência da democracia liberal ocidental. Rejeitando interferências externas, os movimentos populares que ocorrem no Oriente Médio e no Norte da África, não são resultado de pressão liderada pelos EUA.Nos últimos dez anos o mundo virou de ponta-cabeça, alterando-se de forma radical a geopolítica e a economia global. O atual cenário internacional, contudo, pouco ou nada tem que ver diretamente com os atentados do 11 de Setembro. A disputa entre Israel e Palestina, conflitos regionais e a crise econômica e financeira que começou em 2008, e novas formas de terrorismo, como a eletrônico, via internet, continuam ou surgiram com dinâmica própria.O século 21 está sendo moldado por forças que pouca relação têm com o 11 de Setembro. Não se ouve mais falar de guerra ao terror. Os EUA estão se retirando do Afeganistão e do Iraque. O custo das duas guerras e da indústria criada para combater o terrorismo, que sobe a mais de US$ 4 trilhões, agravou os gastos do governo, um dos motivos da deterioração da estabilidade da economia norte-americana.O cenário internacional transformou-se, mas as reais mudanças são consequência, sobretudo, dos desarranjos das economias dos países desenvolvidos e do aparecimento dos emergentes, como, em especial, China, Índia, Rússia e Brasil. Com isso os EUA tiveram reduzido seu poder relativo na esfera política e econômica e o multilateralismo readquiriu força. Com o deslocamento do eixo dinâmico da economia global do Atlântico para o Pacífico, os novos polos de crescimento e de atração política são o maior desafio que os EUA enfrentam nos dias de hoje. Os problemas econômicos gerados pelo fracasso do sistema bancário ocidental e pela crise da dívida soberana custaram à Europa a perda de qualquer pretensão de poder e aos EUA, os AAA concedidos pelas agências de rating.O 11 de Setembro, que o mundo acaba de lembrar, não foi uma ruptura na história das relações internacionais, mas o ponto mais elevado de tensão antiocidental.EX-EMBAIXADOR EM WASHINGTON (1999-2004)