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O novo calote argentino

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Por Redação
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Por mais que o governo da presidente Cristina Kirchner tente buscar culpados externos - os credores que chama de "abutres", a Justiça americana, o mediador nomeado para as negociações com os credores, o sistema financeiro e até o governo de Barack Obama -, é sua, e dos que a antecederam nos últimos 13 anos, a responsabilidade pela nova crise financeira que abala a Argentina e, mais uma vez, coloca o país na condição de pária da comunidade internacional.Por não ter chegado a um acordo com os credores que não aceitaram as escorchantes condições de pagamento impostas em 2005 pelo então presidente Néstor Kirchner, o governo de Buenos Aires foi impedido pela Justiça americana de pagar as parcelas referentes à dívida reestruturada que venceram no dia 30 de julho. Por isso, a Argentina entrou em situação de calote.Ruim para qualquer devedor, essa situação pode ser desastrosa para um país cuja economia anda mal, pois tornará impossível o já difícil acesso ao mercado financeiro internacional. Os argentinos pagarão um preço elevado pelos sucessivos equívocos de seu governo no trato da dívida externa do país.O problema começou em dezembro de 2001, quando, sob uma séria crise política, o presidente interino Adolfo Rodríguez Saá - que permaneceu poucos dias no cargo - anunciou a suspensão do pagamento de todos os compromissos relativos à dívida externa, estimada em cerca de US$ 100 bilhões. Quatro anos depois, o presidente Néstor Kirchner - marido de Cristina - forçou boa parte dos credores a aceitar as duras condições para a reestruturação da dívida. Era receber só uma fatia daquilo a que tinham direito, pois o desconto exigido por Kirchner era brutal, ou não receber nada.Na ocasião, detentores de cerca de 75% da dívida aceitaram as imposições. O governo chegou a dizer, em tom de bravata, que a negociação da dívida estava encerrada para sempre. Em 2010, no entanto, o governo, já sob a chefia de Cristina Kirchner, voltou atrás e aceitou negociar com os credores que não haviam aceitado as perdas impostas em 2005.A maioria dos credores aderiu. Só 7%, chamados holdouts, continuaram sem acordo com o governo argentino. Alguns deles recorreram à Justiça americana exigindo o pagamento do que lhes é devido. Mesmo tendo sido condenado a honrar seus compromissos, o governo Kirchner se recusou a pagar esses credores e, para tentar encontrar uma solução, o juiz responsável pelo caso, Thomas Griesa, nomeou um negociador. A Argentina depositou em um banco americano o valor para quitar a parcela da dívida renegociada que venceu em 3o de julho, mas Griesa determinou que esse dinheiro só poderá ser liberado depois de resolvida a questão com os holdouts. O não pagamento caracterizou o calote argentino.Sem conseguir avaliar adequadamente os problemas internos do Brasil, como as pressões inflacionárias, a crise fiscal expressa nos maus resultados divulgados nos últimos dias e a persistente deterioração das contas externas, especialmente da balança comercial, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse não ver riscos para o Brasil decorrentes dos graves problemas argentinos. Poderá ter uma surpresa em breve.Já com sérios problemas na área cambial, a Argentina terá problemas ainda maiores para pagar suas importações. O governo Kirchner, com a conivência do governo Dilma, já vinha impondo severas restrições à entrada de produtos brasileiros no país; agora, deverá intensificar essas medidas.Haverá consequências para o Brasil. Por causa da debilitada demanda argentina e das medidas protecionistas do governo Kirchner, o comércio bilateral vem encolhendo. No primeiro semestre deste ano, as exportações brasileiras para a Argentina somaram US$ 7,42 bilhões, 19,8% menos do que o exportado na primeira metade de 2013. Dificilmente o Brasil compensará essa redução com a ampliação das vendas para outros mercados, pois, desde a chegada do PT ao poder, o governo brasileiro vem perdendo oportunidades para concluir novos acordos comerciais.