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O ônus da interinidade

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Por Redação
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Se não bastassem as enormes dificuldades para lidar com uma conjuntura econômica deteriorada, que apenas começa a dar tímidos sinais de recuperação, o governo de Michel Temer enfrenta um problema adicional, de natureza essencialmente política, que pode ser definido como o ônus da interinidade. O processo de impeachment de Dilma Rousseff foi instaurado com o vigoroso apoio de esmagadora maioria dos brasileiros, mas esse apoio não se transferiu automaticamente para o presidente em exercício, o que é perfeitamente compreensível pela razão óbvia de que confiança não se impõe, conquista-se.

Temer, até o momento, pouco mais conseguiu fazer para conquistar a confiança dos brasileiros do que nomear uma equipe econômica de reconhecida competência cujo trabalho, como não poderia deixar de ser, está ainda pouco além da fase da semeadura de um plano cujas linhas gerais estão delineadas.

O momento exige, portanto, um mínimo de paciência e espírito crítico construtivo para que os governantes consigam transformar intenções em atos e desses atos possamos todos colher resultados positivos. Esse processo, que se pode definir como de amadurecimento do governo por enquanto provisório, tropeça desde logo no obstáculo representado exatamente pela interinidade. É uma estranha situação: apesar de Dilma e sua turma afetarem indignação pelo fato de Temer se comportar “como se não fosse apenas presidente interino”, é óbvio que o que se cobra do governo que está aí, interino ou não, são ações concretas, de curto e longo prazos, para tirar o Brasil do buraco em que o lulopetismo o afundou. Não é uma tarefa da qual o Executivo possa se desincumbir sozinho. O apoio do Legislativo é indispensável, até por razões constitucionais. E é aí que está o principal nó da interinidade.

Mais de 13 anos de Lula e Dilma no poder serviram para expor, de corpo inteiro, com a preciosa ajuda da Lava Jato e operações policiais congêneres, todos os vícios e a consequente vulnerabilidade de um sistema político-partidário armado com o objetivo de servir aos interesses da chamada classe política, comprometida até a medula com o patrimonialismo enraizado na gestão da coisa pública.

Pois é com essa situação que o governo provisório tem que se haver, até porque é formado, ele próprio, pelo material humano disponível. Além disso, o lulopetismo legou ao País um movimento sindical e de organizações sociais contaminado pelo viés populista do Estado todo-poderoso, paternalista, único responsável pelo bem comum. Tudo o que “o povo” exige, portanto, se o governo não atende prontamente é porque é “instrumento das elites”, “de direita” ou coisas do gênero.

Sem sólido apoio popular e pressionado de um lado por interesses políticos quase sempre fisiológicos e por outro lado pelas reivindicações salariais, Temer tem que se preocupar também em dar sentido e continuidade a seu governo, cuidando para que se transforme de substituto em sucessor de Dilma Rousseff, assim que se consumar o impeachment pelo Senado. Não é difícil imaginar o custo político de tudo isso.

Daí o loteamento político do governo e os “pacotes de bondades”, como o recentemente concedido reajuste de salário de servidores públicos. São medidas aparentemente incoerentes, adotadas para atender à necessidade de estabelecer o difícil e delicado equilíbrio entre o ideal e o possível na ação governamental. Isso se pode compreender, quando se adota uma postura de crítica construtiva voltada para os verdadeiros interesses nacionais. Mas o risco de que aquele equilíbrio seja rompido é sempre iminente.

O governo Temer se declara disposto a criar as condições indispensáveis à recuperação econômica. Ninguém precisa acreditar incondicionalmente nisso. Mas o que se pode esperar dos brasileiros é que estejam dispostos, sem renunciar ao necessário espírito crítico construtivo, a levar em conta o ônus da interinidade que no momento acossa Michel Temer e sua equipe e repudiar sempre, por palavras e atos, a inconsequência dos que se julgam bons demais – ou são cegamente intransigentes – para admitir que a política é a arte do possível. Ou de quem não se conforma por ter sido desmascarado pelos erros crassos que cometeu quando no governo do País.