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O perigoso plebiscito escocês

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Por Redação
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O plebiscito que decidirá amanhã se a Escócia deve ou não se tornar independente do Reino Unido é uma grande incógnita, não somente em relação à expectativa do resultado da votação em si - há empate técnico entre o "sim" e o "não" -, mas, principalmente, a respeito de suas consequências. Para onde quer que se olhe, no entanto, pode-se afirmar que os escoceses farão bem se decidirem pela manutenção do atual status - ainda que seja como opção pelo menor dos males.Apesar do que pensam os nacionalistas escoceses, a questão transcende a Escócia. Na reta final da campanha, quando a vitória do "sim" tornou-se plausível, até mesmo os norte-americanos, reservados quando se trata de comentar assuntos políticos internos de seus aliados, expressaram grande preocupação com o futuro do Reino Unido, se a secessão prevalecer. "Temos interesse em que o Reino Unido permaneça, forte, robusto e unido", disse o porta-voz da Casa Branca, John Earnest.A questão fundamental aqui é que os eventuais ganhos que a Escócia possa vir a ter com a independência não compensariam o brutal desgaste da separação e, em especial, o enfraquecimento do Reino Unido - cujas consequências seriam desastrosas para a Europa.Em relação às questões práticas da separação, a principal é a moeda a ser adotada pela nova nação independente. Não se sabe se será feita a opção pelo euro - o que demandaria um longo processo de adaptação para o ingresso na zona da moeda europeia - ou se a libra será mantida, hipótese considerada remota por exigir uma união monetária justamente com o país do qual os nacionalistas escoceses pretendem se separar.Além disso, a campanha pelo "sim" não explicou como será feita a divisão dos ganhos com a extração do petróleo do Mar do Norte nem como a Escócia independente pretende bancar sua parte na dívida nacional britânica. Não explicou porque ninguém sabe explicar.Os secessionistas também são indiferentes aos argumentos de que a independência da Escócia pode ter como resultado a fragmentação britânica - colocando em risco o próprio Reino Unido, uma potência crucial para a economia da Europa e para o esforço de frear os ímpetos do presidente da Rússia, Vladimir Putin.Tais problemas, no entanto, não foram suficientes para conter o ímpeto retórico dos nacionalistas - que chegaram a elogiar Putin por restabelecer o orgulho russo. Para esses líderes secessionistas, a Escócia independente será aquela que não participará de "guerras ilegais", abrirá mão de suas armas nucleares, receberá bem os imigrantes - um contraponto ao suposto "chauvinismo" do Reino Unido - e perseguirá o ideal de "justiça social" que, em sua visão, os poderosos britânicos negligenciam. Metade dos eleitores escoceses parece acreditar nessa utopia, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto.Esse discurso nacionalista cresceu no vácuo deixado pelos unionistas, que desconsideraram, por absurda, a hipótese de que a ideia de separação pudesse prosperar. Afinal, a Escócia já goza de imensa autonomia, algo muito próximo de uma situação de independência, e não parecia haver motivo racional para alterar o quadro.Na história britânica, a Escócia não aparece como subordinada à Inglaterra, e sim como parceira. Como lembra o historiador escocês Niall Ferguson, "pode-se dizer até mesmo que foi a Escócia que adquiriu a Inglaterra", quando, em 1603, o rei James VI da Escócia herdou o trono com a morte da rainha Elizabeth I. Foi James VI, coroado como James I da Inglaterra, que adotou o termo "Grã-Bretanha", para deixar claro que os súditos, fossem ingleses ou escoceses, seriam todos considerados britânicos.Com a liberdade que essa sólida união lhes concedeu, os escoceses estabeleceram um sistema legal e educacional distinto do inglês. A autonomia aumentou ainda mais quando, em 1999, o Parlamento escocês foi restabelecido, após plebiscito. Portanto, não há nada nesse contexto que sugira qualquer forma de subordinação da Escócia à Inglaterra - o que somente reforça o caráter pouco consequente do movimento secessionista.