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Opinião|O que é um museu?

O da Santa Casa de São Paulo valoriza o ensino e a pesquisa, buscando aproximar os visitantes

Atualização:

Quem nunca ouviu o ditado popular que diz que “quem vive de passado é museu”? Isso vem do fato de que museu ainda está relacionado a um lugar que guarda coisas antigas, que não têm mais utilidade para ninguém, ou, num linguajar mais popular, coisas velhas mesmo!

Contudo já paramos para pensar qual a origem dessa história? Quando e por que se começou a reunir peças e objetos em forma de coleções? Qual a relevância que essa instituição teve ao longo dos séculos e que magnitude ela tem nos dias de hoje? Vejamos.

A origem etimológica da palavra museu vem do grego e quer dizer musas. As musas eram entidades da mitologia grega, filhas de Zeus e de Mnemosine, a deusa da memória. A casa das musas era o mouseion, uma mistura de templo com instituição de pesquisa voltada para o saber filosófico, onde eram depositados objetos preciosos oferecidos às divindades em sinal de agradecimento. A partir de então, todo objeto reunido ou compilado num determinado espaço com o intuito de contar ou resgatar alguma área do conhecimento passou a ser relacionado à palavra museu.

Na Europa medieval, por exemplo, as coleções eram a principal prerrogativa das casas nobres e da Igreja Católica, sendo consideradas verdadeiras relíquias da cristandade. Tinham na sociedade uma importância econômica muito significativa e eram até utilizadas para financiar guerras e outras despesas de Estado.

Entre os séculos 16 e 17, com a expansão do conhecimento do mundo propiciada pelas grandes navegações, estabeleceram-se na Europa os primeiros museus conhecidos como “gabinetes de curiosidades”. Tratava-se de locais preparados especialmente para guardar coleções altamente heterogêneas e assistemáticas de objetos das mais variadas naturezas e procedências. Essas galerias eram essencialmente inacessíveis à população em geral e as coleções, expostas apenas às pessoas convidadas à residência do proprietário.

A mudança do conceito de museu está vinculada a um processo histórico, como resultado da mentalidade de uma época. No fim do século 19, acompanhando as transformações das ciências em geral, os museus especializaram-se, tomando um novo caráter, sem, no entanto, deixarem de ser conservatórios das mais altas formas do patrimônio cultural da humanidade.

O Museu do Louvre, em Paris, por exemplo, foi a primeira instituição a revolucionar os conceitos de relacionamento com o público. Ele foi considerado, desde o início, o “museu do povo”. Além da finalidade conservatória e documental de classificação, pesquisa, exposição e divulgação de conjuntos de objetos de interesse e valor artístico, científico e técnico, outras funções culturais, mais amplas, passaram a integrar as atividades dos museus a partir de então.

Tal fato veio ao encontro das novas exigências de uma época em que o avanço tecnológico e científico provindo do século 20 fez com que o homem se voltasse para novas experiências e se apegasse ao que é material para contar a sua história. E os museus, que antes eram “santuários” discretos e clubes fechados, passaram a ter como principal pressuposto a aproximação do público. Assim, as práticas colecionistas “antigas” foram dando lugar ao aprofundamento científico, interdisciplinar e educativo dos museus.

Podemos dizer que a reformulação conceitual do espaço dos museus, mesmo enfrentando avanços e retrocessos, ganhou novo impulso nos anos 70 e 80 do século passado, sendo lícito considerar essa reorientação como uma verdadeira revolução na concepção do museu público e a constituição de uma museologia moderna.

Em 1986, o Conselho Internacional de Museus (Icom), fundado no Brasil em 1948, definiu o museu como “uma instituição permanente sem finalidade lucrativa, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que realiza pesquisas sobre a evidência material do homem e do seu ambiente, as adquire, conserva, investiga, comunica e exibe, com a finalidade de estudo, educação e fruição”.

Assim, é fundamentada nessa concepção de museu trazida pelo Icom que abro espaço para falar de um museu que pouco se conhece, mas tem uma grande importância na história de São Paulo: o Museu da Santa Casa de São Paulo (MSC-SP), que ocupa parte do complexo hospitalar construído no ano de 1884, conhecido na época como “Castelo da Misericórdia”, projetado pelo então engenheiro e arquiteto Luiz Pucci.

O MSC-SP nasceu em 2000 pela iniciativa do irmão mesário Augusto Carlos Ferreira Velloso, que, junto com o novo milênio, veio presentear a população paulista com o resgate da memória e da história da irmandade, que ao longo das décadas se mistura com a história e a evolução da cidade. Instalado na provedoria da Santa Casa, o museu é composto por objetos religiosos, textuais, iconográficos, pinturas, esculturas, mobiliários e instrumentos médicos, entre outros, que nos ajudam a reconstruir essa importante parte da memória paulista, contada por meio de peças coletadas dentro da própria Santa Casa ou doadas por médicos e irmãos que por lá passaram.

O MSC-SP, como instituição museológica, busca aperfeiçoar sua prática diária valorizando o ensino e a pesquisa, aproximando o visitante, de forma a criar empatia, identidade e reconhecimento com essa instituição que ao longo dos séculos vem prestando serviços à sociedade.

Que os museus que lutamos para construir hoje não sejam lembrados apenas como “guardiões” do passado, mas sejam verdadeiras fontes de informação e acesso, garantindo à sociedade, com seu acervo, o estudo e a reflexão sobre um patrimônio cultural que contribui efetivamente para a formação da diversidade brasileira.

*Diretora do MSC-SP

Opinião por June Locke Arruda