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O risco de guerra comercial

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Por Redação
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O mundo caminha para uma guerra comercial, arrastado pela desordem no mercado de câmbio. É esse o maior perigo no horizonte. Será difícil evitar o desastre, se os governos das maiores potências forem incapazes de reduzir os desajustes cambiais. Um entendimento sobre a questão provavelmente ainda vai demorar, se depender das autoridades americanas e chinesas. Enquanto o acordo não vem, cada um trata de se defender. O governo brasileiro anunciou, na quarta-feira, mais uma providência contra a valorização do real. O Tesouro poderá comprar com 1.500 dias de antecipação os dólares necessários para pagar suas dívidas. O prazo anterior era de 750 dias. Na segunda-feira, o Ministério da Fazenda havia aumentado de 2% para 4% o imposto sobre o investimento estrangeiro em papéis de renda fixa. Naquele dia, US$ 15 bilhões foram aplicados no mercado brasileiro. Na terça-feira entraram US$ 13 bilhões. Na melhor hipótese, medidas como essas produzem efeito de curta duração. Os juros brasileiros continuam muito atraentes. A experiência internacional é clara: os especuladores acabam ganhando o jogo. Mas Brasília não dispõe agora de outra resposta. A estratégia produzirá resultado medíocre, em termos de controle cambial, e ainda forçará o Tesouro a se endividar para intervir no mercado. A União pagará juros elevados pelo dinheiro necessário às compras. Esses juros continuarão atraindo os estrangeiros. As empresas brasileiras também poderão comprar mais dólares. Por enquanto, lucram mais no outro lado do balcão, trazendo dólares para vender no Brasil. Pagam um preço extra por isso, porque a valorização do real diminui seu poder de competição. Mas corrigir o câmbio não é tarefa para empresários. Enquanto o governo brasileiro formula estratégias de curto alcance, agrava-se a desordem cambial. O primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, repeliu mais uma vez as pressões pela valorização do yuan. O governo chinês, disse ele na quarta-feira, não cederá. No mesmo dia, o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, voltou a cobrar da China uma correção do câmbio. A cobrança pública pode ser ineficiente, mas a política americana vai além das palavras. Washington continua inundando os mercados com dólares. Oficialmente, o objetivo das autoridades americanas não é intervir no câmbio, mas estimular a expansão do crédito e dos negócios. Os incentivos não dependem só do Tesouro. O Federal Reserve (Fed) continuará comprando títulos, na tentativa de melhorar as condições do crédito. A discussão interna, nos últimos dias, tem sido sobre o foco das novas intervenções. Uma das possibilidades é a concentração de compras em alguns papéis, para forçar uma nova redução de juros. Os gastos do Tesouro e a política do Fed têm sido insuficientes para animar a economia. Um dos efeitos mais notáveis foi a desvalorização cambial. A moeda chinesa passou a acompanhar o dólar. Pressionado, o governo da China abandonou essa política, mas manteve o yuan depreciado. A desordem tem atingido outras moedas. O euro tem oscilado. O governo japonês interveio no mercado para deter a valorização do iene. Na quarta-feira, o secretário do Tesouro americano usou uma linguagem mais dura, quase ameaçadora, ao tratar do assunto. "Quando grandes economias com câmbio subvalorizado agem para evitar a valorização de suas moedas, outros países podem fazer o mesmo e isso estabelece uma dinâmica perigosa." Esta expressão pode ter mais de um significado. Guerra cambial é um deles. E guerra cambial é normalmente parte da guerra comercial. Até há pouco tempo, lamentava-se a paralisação da Rodada Doha de negociações comerciais. Em breve, poderá ser lamentado um retrocesso na ordenação global, com a generalização do vale-tudo. Segundo Geithner, não se deve esperar uma solução de curto prazo, nem na reunião de novembro do G-20, para o problema cambial. Se ele estiver certo, o mundo terá de esperar muito pela única solução eficaz: a ação coordenada das principais potências.