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Opinião|O STF deve chancelar a boa gestão pública

Helena Nader, Jacob Palis Junior, Rubens Naves, Thiago Donnini

Atualização:

Em agosto de 2014 o brasileiro Artur Ávila recebeu a Medalha Fields, uma espécie de "Prêmio Nobel da Matemática". Artur desenvolveu grande parte de suas pesquisas no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), com sede no Rio de Janeiro. Quatro meses depois, em dezembro de 2014, o maior projeto da história da ciência brasileira - o Sirius, um acelerador de elétrons que deve começar a operar em 2018 - foi oficialmente iniciado com o lançamento da pedra fundamental e a assinatura do contrato de construção do edifício de 68 mil metros quadrados que vai abrigar a máquina. O novo laboratório será instalado no câmpus do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que já abriga grandes equipamentos de pesquisa. Com o Sirius o Brasil será alçado à condição de protagonista mundial na pesquisa e desenvolvimento de novos materiais. O reconhecimento internacional de um matemático brasileiro e a viabilização de um projeto da importância do Sirius são notáveis indicadores para o desenvolvimento tecnológico e cientifico do País, mas têm algo a mais em comum. As duas instituições mencionadas - o Impa e o CNPEM - são associações sem fins lucrativos, qualificadas como Organizações Sociais (OSs). Ambas mantêm contratos de gestão com o governo federal, por intermédio dos quais recebem recursos para o desenvolvimento de diferentes projetos. Por força de lei, essas instituições mantêm um elevado padrão de governança e uma estrutura de controle comprovadamente mais rigorosa do que aquela a que estão sujeitos órgãos e entidades da administração pública. Ao mesmo tempo, em razão de sua agilidade administrativa - mais afeiçoada à dinâmica da gestão privada do que à lentidão burocrática da instância pública - as OSs são capazes de criar e gerir ambientes de incentivo à inovação que raramente são propiciados na esfera estatal. O modelo de parcerias com OSs foi instituído por medida provisória convertida na Lei n.º 9.637/98, no governo Fernando Henrique Cardoso. Com Lula e Dilma Rousseff os contratos foram mantidos e ampliados, com destaque para a criação, em 2013, da Empresa Brasileira de Pesquisa Industrial e Inovação (Embrapii), Organização Social que está promovendo a interação de empresas privadas e instituições de pesquisa para a realização de projetos de inovação tecnológica. A adoção e a aprovação desse modelo pelo atual governo federal ficaram ainda mais evidentes quando, também em 2013, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma síntese dos benefícios proporcionados pelo modelo das OSs às atividades do setor. Curiosamente, no entanto, o PT foi um dos autores, ainda em 1998, da ação direta de inconstitucionalidade que questiona dispositivo da lei (Adin n.º 1.923/DF), que agora volta à pauta do STF, após a suspensão do julgamento em 2011. O Supremo examinou liminarmente a ação em 2007, quando rejeitou o pedido de suspensão cautelar de artigos da lei. Os ministros Ayres Brito, relator - agora aposentado -, e Luiz Fux já proferiram seus votos quanto ao mérito da ação, mantendo, na essência, a constitucionalidade da lei. A questão sensível, nas duas manifestações, reside na higidez dos processos de qualificação como Organização Social e de escolha dessas entidades para a celebração de contrato de gestão com o poder público. Mas note-se: a estratégia definida pela lei federal não comporta uma ampliação desenfreada. Tanto é assim que na área de ciência, tecnologia e inovação (CT&I), desde 1998, foram apenas seis as entidades qualificadas por decreto presidencial. O contrato de gestão não é uma relação de prestação de serviços - ainda que possa ter assumido essa feição, eventualmente, em Estados ou municípios que instituíram leis com nomenclaturas semelhantes. As relações com Organizações Sociais devem ser norteadas pelo incentivo ao desenvolvimento institucional - já que reconhecidas, por lei, como entidades de interesse social e utilidade pública -, e pelo compromisso com resultados e com transparência na aplicação dos recursos públicos. Desde 1998, as Organizações Sociais de CT&I estão submetidas às mais diferentes formas de controle. Além das instâncias de governança internas, estão sujeitas às rigorosas auditorias do Tribunal de Contas da União e da Controladoria-Geral da União. Com isso o monitoramento constante dos recursos públicos não tem sido um problema na relação com essas entidades. Além de vital para o setor de ciência e tecnologia, o reconhecimento da constitucionalidade do modelo das Organizações Sociais pelo STF é também fundamental para assegurar grandes avanços em outras áreas da vida nacional. Desde 1998, quando a Lei das Organizações Sociais entrou em vigor, muitos Estados e municípios adaptaram a legislação federal às suas necessidades e promoveram a expansão e o aperfeiçoamento de serviços públicos com base no modelo julgado pelo Supremo. Para ficar em dois exemplos paulistas, hoje cerca de metade dos atendimentos financiados pelo SUS no Município de São Paulo são prestados por Organizações Sociais e várias instituições culturais estaduais - como a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), a Pinacoteca, o Museu da Língua Portuguesa, o Museu Afro Brasil, o Catavento Cultural e Educacional e o Projeto Guri - são também OSs. Ao retomar o julgamento da Adin n.º 1.923, num momento de grave crise política, o STF tem a oportunidade de reconhecer nas OSs um paradigma de boa governança e um modelo de parceria público-privada que já deixou de ser uma promessa. *Helena Nader, Jacob Palis Junior, Rubens Naves e Thiago Donnini são, respectivamente, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e advogados que patrocinam as duas entidades como amici curiae na Adin contra a Lei das Organizações Sociais 

Opinião por Helena Nader
Jacob Palis Junior
Rubens Naves
Thiago Donnini