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Opinião|Os 70 anos da ONU e a busca da paz

Atualização:

Neste 26 de junho celebramos os 70 anos da assinatura da Carta que criou a Organização das Nações Unidas (ONU). Fundada em meio aos escombros do maior conflito da História – a 2.ª Guerra –, a ONU foi concebida para trabalhar em favor dos mais elevados ideais da comunidade internacional: a paz, o respeito aos direitos humanos, o progresso e o bem-estar da humanidade. O Brasil foi um dos 51 membros fundadores e sua atuação na Organização sempre esteve assentada na busca de dois objetivos que, em nossa visão, estão intimamente relacionados: a preservação da paz e a promoção do desenvolvimento. Para o Brasil, não há paz duradoura e estabilidade verdadeira sem progresso econômico e social. Como assinalou a presidenta Dilma Rousseff em discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, o Brasil defende que “as políticas de desenvolvimento sejam, cada vez mais, associadas às estratégias do Conselho de Segurança na busca por uma paz sustentável”. Temos dado contribuição concreta à promoção da paz. Nas dez vezes em que ocupamos assento não permanente no Conselho de Segurança – marca igualada apenas pelo Japão –, trabalhamos em favor da solução pacífica das controvérsias e da superação das causas profundas dos conflitos, como a exclusão política, social e econômica. Desde 1948 a ONU já realizou 69 operações de manutenção da paz, das quais o Brasil participou de 40, e oficiais brasileiros exercem hoje o comando militar das missões no Haiti (Minustah) e na República Democrática do Congo (Monusco) e o comando naval da missão no Líbano (Unifil). Os primeiros 45 anos da ONU foram diretamente afetados por hostilidades que marcaram a guerra fria, o que virtualmente paralisou o Conselho de Segurança. O fim da bipolaridade alimentou as expectativas de que o diálogo poderia enfim predominar.  Um quarto de século depois, algumas das principais questões que afetam a paz e a segurança mundial continuam sem solução, como fontes de instabilidade. Novos conflitos armados surgiram no interior de Estados ou entre Estados cujas diferenças estavam contidas pela lógica da guerra fria, o que elevou o número total de guerras.  Vivemos hoje um grave “déficit de diplomacia” no mundo. A diplomacia preventiva tornou-se um exercício raro e perfunctório, e medidas como o recurso à força militar, ameaças e sanções tornaram-se mais frequentes, muitas vezes a expensas da Carta da ONU, que autoriza o uso da força somente em casos de autodefesa ou autorização expressa do Conselho de Segurança. A situação no Oriente Médio ilustra essa realidade. Palestina, Iraque, Líbia e Síria são exemplos trágicos do desinvestimento na diplomacia. A região tem sido palco da tentação das soluções impostas de fora, com recurso a ações militares ou apoio a grupos e facções em guerras civis, muitas vezes à margem do Conselho de Segurança ou do mandato conferido, condenando à morte ou ao deslocamento milhões de civis, fomentando sectarismos, liberando forças destrutivas de difícil controle e facilitando a proliferação de armas e crimes transnacionais, como o tráfico de pessoas. Ao se fragilizarem as estruturas estatais, criaram-se vazios de poder que permitiram a ascensão de grupos radicais como o autodenominado “Estado Islâmico”. Não é coincidência que tais grupos tenham florescido e vicejem precisamente em países onde houve intervenções armadas ou políticas. Seu custo humano é incalculável. A situação hoje no Iraque, na Líbia e na Síria comprova a correção da oposição do Brasil ao uso precipitado da força ou ao apoio a facções. A cautela por nós preconizada revelou-se tragicamente premonitória.  Soluções duradouras para a paz e a segurança internacional requerem capacidade de diálogo e negociação. Sem um papel central para a diplomacia, o sistema internacional continuará a viver um clima de irresolução permanente. A própria ONU, pelo desinteresse de muitos de seus membros, nunca centrou o foco de suas atividades em matérias relacionadas ao Capítulo VI da Carta, que lida justamente com soluções pacíficas de conflitos. A primeira resolução sobre mediação foi aprovada na Assembleia-Geral só em 2011. Ao mesmo tempo – e aqui reside o próprio fundamento da estabilidade e da paz – a promoção do desenvolvimento nunca ocupou na ONU a posição central que merece. Ainda há relutância em reconhecer, para além da retórica, que a pobreza, a falta de oportunidades e a ausência de serviços básicos tendem a ser vetores de conflitos. Não por acaso as guerras civis atingem mais fortemente os países pobres. Os recentes fluxos migratórios de pessoas que tentam fugir de conflitos e da miséria são uma comprovação dessa confluência entre o déficit de diplomacia e a ausência de políticas efetivas de apoio ao desenvolvimento. O cenário atual nos oferece, no entanto, novas esperanças. Tivemos recentemente dois exemplos de valorização da diplomacia: a reaproximação entre Cuba e Estados Unidos e avanços na negociação do dossiê nuclear iraniano. São apostas no diálogo que o Brasil tem defendido e praticado há anos. A despeito dos importantes serviços que prestou ao longo dos anos, é premente que a ONU seja reformada. Não se trata apenas de uma modificação de suas estruturas, até para tornar seu Conselho de Segurança mais democrático, representativo, legítimo e, por isso, mais eficaz: é indispensável que essa atualização institucional se faça acompanhar de uma mudança de visão de seus Estados-membros. O Brasil compromete-se a seguir atuando para fortalecer a ONU e melhor prepará-la para enfrentar os desafios globais. A comunidade internacional não tem alternativa ao reforço do multilateralismo: é só nele que os Estados poderão buscar soluções para os problemas de todos e fazer do mundo um lugar menos marcado pela tragédia dos conflitos.*Mauro Vieira é ministro das relações exteriores

Opinião por Mauro Vieira