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Os democratas e as minorias

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Por Marco Aurélio Nogueira
4 min de leitura

Os democratas brasileiros, que integram diferentes partidos, classes sociais e correntes (liberais, petistas, tucanos, socialistas, comunistas), deveriam estar mais articulados entre si. Quem sabe, até mesmo unidos. Por vários motivos, mas sobretudo porque a sociedade ganharia muito com isso. Se assim fosse, seria mais fácil fazer a crítica política dos governos, dar a cada um deles a devida cota de responsabilidade e ajudá-los a sair do cerco em que se encontram. Daria para avançar na reforma política e no equacionamento dos problemas estruturais que rebaixam a qualidade de vida dos brasileiros. Seria possível caminhar firme para o saneamento da República e a instalação no País de uma democracia plena, aberta à participação popular e à sociedade civil. O Brasil está num ponto de inflexão. Se os protestos de junho disseram alguma coisa, foi isto: tudo precisa ser diferente a partir de agora. Se será, não dá para saber. Mas seria bom se pudesse ser. O País não vai bem. O discurso positivo dos governos é desmentido cotidianamente pelos fatos. Há uma sensação de urgência instalada na sociedade, ainda que não se tenha uma tragédia à vista. Se uma crítica deve ser feita à Presidência, é a de não ter tido a ousadia de chamar as forças políticas do País para uma negociação em alto nível. Ela falou em "pactos", mas não propôs nenhuma pactuação. Defendeu a necessidade da reforma política, mas não propôs nenhuma reforma concreta. Ficou sem condições de produzir consensos, pois os detalhes de uma proposta de reforma é que podem agregar. Travou o debate, em vez de facilitá-lo. Ocorreu algo parecido com as medidas destinadas a reformar a saúde: elas têm mérito e mais acertam do que erram, mas foram propostas de cima para baixo, sem mediações. O governo pode avançar no terreno, mas terá de reformular seu discurso. A ideia de reforma política está posta faz tempo. É um erro banalizá-la ou combatê-la. O País necessita de outro sistema político, com outras regras, outros vetos e incentivos. Os democratas não deveriam gastar energia para fazer elogios fáceis ao governo Dilma ou para criticá-lo de modo acerbo. Seu papel é anunciar as mudanças de que o País necessita. Não podem ficar em silêncio, cada qual em seu canto, assistindo à desagregação do processo político e sem contribuir para que se aproveite de forma positiva o momento excepcional em que está a sociedade. A eleitoralização do debate - sua redução à lengalenga primitiva de PT x PSDB - é inimiga dos democratas. Para eles o melhor é que o governo Dilma seja capaz de administrar a crise. Tal como a presidente, os democratas acreditam na inteligência dos brasileiros. Por isso não aceitam que o povo seja convocado a decidir o que quer que seja sem que possa discutir. Se a intenção é fazer uma consulta popular que forneça o espírito de uma reforma democrática, o debate público é essencial. Não ocorrendo, a decisão será por palmas ou vaias, ao sabor da força sedutora de lideranças e campanhas publicitárias. Por ter inteligência, o povo quer espaços de reflexão, diálogo e debate democrático. Uma reforma política feita com debate público e participação popular é a joia da coroa. Não se deveria estragá-la. A articulação política dos democratas seria decisiva, também, para que se enfrentasse o problema das minorias. As maiorias avançam, fazem ouvir sua voz e se democratizam. Mas o que fazer com as minorias, como assimilá-las, respeitá-las, atendê-las, e enfrentá-las se necessário for? As minorias são, por princípio, merecedoras de toda a justiça social. Algumas lutam por identidade e reconhecimento. Outras querem mais espaço e mais oxigênio. São como o sal da terra: estão aí para que as maiorias lembrem que desigualdades, injustiças e diferenças existem e precisam ser enfrentadas. Mas o que fazer com as minorias do mal? Com aqueles, por exemplo, que deformam a política do confronto de ideias para estigmatizar os que pensam diferente deles, valendo-se de discursos hiperbólicos para jogar grupos contra grupos, taxando uns de "elitistas" e outros de "amigos do povo"? Uma categoria muito pior é a dos que se agrupam para pressionar e humilhar as maiorias, ou pessoas que integram as maiorias. Orgulham-se de si próprios porque acham que é assim, com violência, que "a História avança". Não querem confluir para nenhuma maioria porque acham que as maiorias são passivas e "dóceis". Infiltram-se no meio das multidões para desmoralizá-las. Usam máscaras porque precisam de identidade, o que é paradoxal. Mascarados que batem e quebram não são progressistas. Muito menos radicais da democracia. Porque democratas radicais não agem às escondidas, na calada da noite. Não humilham nem coagem trabalhadores. Não usam da violência, nem sequer da verbal. Não usam máscaras, pois não são clandestinos de si próprios. As minorias do mal não serão vencidas com cassetetes, balas de borracha ou prisões. O único jeito de confrontá-las é com a inteligência e a firmeza do gestual dialógico. Hoje é tempo de assimilar os que se apresentam como exterminadores vindos do futuro, mas têm raízes nas terras ancestrais da humanidade primitiva. Só a democracia pode isolá-los. Os democratas sempre querem defender, ampliar e revitalizar a democracia. É o que os une. No Brasil isso passa pelo reconhecimento de que o sistema existente atingiu um ponto de saturação e esgotamento. Os democratas não são da situação nem da oposição. Estão nas ruas e nos palácios. Não aceitam a indigência teórica das oposições, sua mesquinhez e seu alheamento em relação às exigências da hora presente. Também não aceitam a arrogância e a paralisia propositiva do PT e do governo, sua recusa a assumir a coordenação política do País. Os democratas estão por aí e deveriam demarcar com clareza sua presença.

* MARCO AURÉLIO NOGUEIRA É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA E DIRETOR DO INSTITUTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNESP.