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Os desafios de Lagarde

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Por Redação
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Christine Lagarde assumirá a direção do Fundo Monetário Internacional (FMI) num momento especialmente difícil para a economia mundial e para a instituição. É preciso remover os escombros da crise, cuidar dos graves desequilíbrios do mundo rico, socorrer os países mais frágeis da zona do euro, ajudar os mais vulneráveis à alta de preços dos alimentos e continuar trabalhando pela construção de um sistema financeiro mais seguro para todos. Ela terá de juntar competência técnica e habilidade política para prevenir novos choques, num ambiente de recuperação desigual, marcado por grandes e perigosos fluxos de capital, novos desajustes cambiais e risco de novas bolhas em economias superaquecidas. Ao mesmo tempo, deverá dar continuidade às mudanças políticas e de governança do próprio Fundo e preencher o vácuo de liderança criado pela escandalosa queda de seu antecessor, Dominique Strauss-Kahn, preso em Nova York acusado de crime sexual. Uma das primeiras tarefas da nova diretora-gerente será cuidar das feridas abertas - a expressão é da própria Lagarde - deixadas pelo escândalo. Ao falar ao conselho executivo do FMI, em defesa de sua candidatura, ela se permitiu pelo menos uma referência indireta ao episódio final da gestão anterior. Na mesma exposição, no entanto, ela mencionou a indiscutível contribuição de Strauss-Kahn. Sob sua liderança, disse Lagarde, "o Fundo claramente mudou para melhor, assumindo com êxito uma posição no centro do sistema econômico e financeiro global". A instituição, segundo ela, "aprendeu muito com a recente crise financeira, incluída a abertura a novas ideias, enquanto continuava fiel a seus valores e princípios essenciais". Apesar disso, o Fundo precisa "continuar sua virada para uma ação responsiva, imparcial e equilibrada e apoio da estabilidade econômica e financeira global". A referência às transformações do Fundo é o reconhecimento de um fato inegável. Strauss-Kahn deixou à sucessora um duplo desafio. O mais simples é a cura das feridas causadas pela crise. O outro é de enorme complexidade. Sem a ação rápida e eficaz de Strauss-Kahn, a crise teria sido certamente muito mais grave.Ele foi capaz de levar socorro urgente a algumas áreas estratégicas, em várias partes do mundo, quando se tornou claro o risco da recessão. Islândia, México e vários países da Europa Oriental, incluída a Polônia, foram ajudados com presteza e isso criou barreiras à difusão da turbulência financeira. O auxílio aos países pobres e mais afetados pela instabilidade dos preços das commodities havia começado bem antes. Já estava em firme execução quando a quebradeira dos bancos se intensificou. Sob seu comando, o FMI funcionou como usina de ideias e de informações para o Grupo dos 20 (G-20), convertido em foro presidencial a partir de novembro de 2008. Além disso, Strauss-Kahn ampliou a reforma do FMI, iniciada por seu antecessor, Rodrigo de Rato, e liderou a redistribuição de cotas e votos a favor dos emergentes e em desenvolvimento.Lagarde mostrou-se competente como ministra do Comércio e depois da Economia. Comprovou habilidade e liderança durante a presidência francesa do G-20, neste ano. Recém-eleita para comandar o FMI, ela valoriza, embora de forma contida, sua condição de primeira mulher a atingir o posto. Ao mesmo tempo, rejeita o rótulo de representante da Europa e defende o abandono do velho critério - um europeu para o FMI e um americano para o Banco Mundial. Embora proponha avanços, a sua missão inicial será continuar o trabalho de Strauss-Kahn e usar toda a sua competência política para promover uma recuperação global mais segura. A continuação do socorro à Grécia será com certeza uma de suas prioridades, e não há que censurá-la por isso.Lagarde recebeu apoio de desenvolvidos e emergentes, embora houvesse um candidato mexicano, o respeitado economista Agustín Carstens. Pode haver explicações diferentes para as decisões dos vários governos de cada grupo, mas um ponto ficou claro outra vez: a retórica da divisão Norte-Sul continua tendo pouco efeito prático.