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Os EUA e o caso Chen

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Por Redação
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A República Popular da China é o que é: um regime comunista que se abriu para o mercado e graças a isso se tornou a segunda economia do mundo, mantendo intacta a ditadura instituída em 1949 pela revolução vitoriosa, sob o duplo controle do partido único e das Forças Armadas. Nada de novo, portanto, na implacável perseguição de que são alvo, como na antiga União Soviética, todos quantos ousam dissentir da ordem totalitária, pregando o direito à livre expressão e uma reforma constitucional que criaria as condições para a democratização do país.A gestação de uma Primavera de Pequim depende antes de tudo de pressões internacionais permanentes pela integridade dos ativistas pró-democracia, com a cessação das prisões arbitrárias e violências a que eles e seus familiares são submetidos. Em tese, os Estados Unidos, em nome dos valores inseparáveis de sua própria origem e que nunca deixaram de ser apregoados por seus líderes, deveriam ser os primeiros a patrocinar um movimento multilateral em defesa dos direitos humanos também na China, que não desfaleça diante da dependência das economias dos países livres do novo colosso econômico mundial.Mas na prática a teoria é outra. O governo Obama leva adiante uma ousada estratégia de contenção do poderio militar chinês na Ásia e Oceania, embora em sua história milenar o Reino do Meio não tivesse o hábito de embarcar em guerras de conquista, preferindo afirmar de outras formas a sua influência. De todo modo, a polêmica política chinesa de Washington contrasta com o seu perfil discreto, para dizer o menos, em face do punho de ferro com que o regime abate os seus opositores. Já disse a secretária de Estado Hillary Clinton, campeã das causas humanitárias em outras paragens do globo, que "devemos ser pragmáticos e ágeis" ao lidar com a questão dos direitos humanos na China.Agilidade em suporte do pragmatismo é o que se pode deduzir da mal explicada conduta americana no caso do advogado Chen Guangcheng. Em 2006, por sua campanha contra a política de abortos forçados do governo, o ativista cego foi condenado a quatro anos de detenção por "perturbação do tráfego". Doze dias atrás, com a ajuda de corajosos simpatizantes, ele conseguiu escapar da prisão domiciliar em que era mantido ilegalmente há 19 meses, numa aldeia de província - enquanto os prepostos do regime transformavam em um inferno a vida de seus familiares. Na quinta-feira passada, chegou a Pequim, onde procurou a embaixada americana. Aparentemente, queria ajuda para deixar de ser perseguido em seu país.Na quarta-feira, acompanhado de diplomatas, foi levado a um hospital (ele se ferira na fuga) para tratamento - indício de que o seu pedido seria atendido. Na realidade, segundo disse à imprensa estrangeira, por telefone, abandonou o abrigo a contragosto, depois de ser informado de que a sua mulher seria morta a pancadas se ele permanecesse na embaixada. "Em certa medida", contou, os americanos o encorajaram a ir embora. Faz sentido. Seis horas antes, chegava a Pequim a secretária de Estado Hillary para uma rodada de conversações bilaterais sobre assuntos que ela afirmara serem "mais importantes", como as políticas chinesas de câmbio e comércio e as atividades nucleares do Irã e da Coreia do Norte. Na véspera, a chancelaria chinesa exigira que os EUA se desculpassem por acolher o ativista.A situação se complicou ainda mais para os americanos depois de Chen dizer que, afinal, desejava emigrar "porque garantias de direitos dos cidadãos na China são conversa fiada". Com isso, enfraqueceu o argumento de Washington de que o privara da proteção porque ele poderia viver em segurança em seu país. Ficou claro que os EUA queriam se livrar de Chen o quanto antes. Hillary já havia declarado que a agenda econômica e estratégica com a China não pode ficar refém da questão dos direitos humanos. Jogo jogado. E prova de que a defesa americana desses direitos é seletiva: depende dos seus interesses nos países onde sejam violados.