Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Os inacreditáveis talentos gregos

Atualização:

O referendo de domingo passado deu uma vitória expressiva ao primeiro-ministro Alexis Tsipras, em boa parte pelo voto dos jovens. Nesta categoria há um desemprego de 50%, por efeito de uma recessão que já dura cinco anos. Esse resultado pode levar – e talvez leve mesmo – a uma ruptura com o euro, o chamado Grexit. Se tiver de falar em proporções, diria que há 50% de chances de isso acontecer. É cedo, contudo, para afirmá-lo.  O governo grego jogou pesado, afirmando que as propostas europeias constituem uma humilhação. Nesses termos, poucos povos votariam para aceitar o que lhe está sendo proposto atualmente. Mas a atitude de Tsipras – parecida com a de um jogador de pôquer audacioso e com pouco cacife – fez a maioria dos negociadores europeus não confiar nele, o que é um mau sinal. Em todo caso, a Grécia vai pagar um alto preço pelo blefe, pois a maioria dos países do euro já declarou ter chegado ao limite com suas propostas. Os bancos gregos estão quase sem dinheiro e por isso a economia fica virtualmente paralisada. Se o Banco Central Europeu (BCE) não vier salvá-los, quebrarão. Isso é possível, pois estatutariamente o BCE só pode dar dinheiro a bancos solventes. A saída, então, seria a Grécia voltar à dracma e, portanto, emitir moeda como achar oportuno. Não é preciso ser um grande economista para imaginar o desastre: inflação alta, estagnação, falta de crédito, desemprego em alta. Tsipras afirmou que no máximo em 24 horas o acordo estará feito. Mera demagogia. Esta fase será prolongada, porque não apenas os executivos, mas também os Parlamentos dos 28 países da Europa deverão opinar sobre os entendimentos com os gregos. Afinal, trata-se do dinheiro do contribuinte europeu. Resta saber se o não dos eleitores gregos vai reforçar a posição negociadora de Tsipras, como ele proclama enfaticamente. É muito duvidoso, mas trata-se de uma das muitas incógnitas do momento. Vejamos alguns elementos importantes para entender as raízes da questão. A Grécia foi sempre vista, desde o Iluminismo do século 18, e sobretudo graças ao grande poeta inglês Lord Byron, como a pedra fundamental da democracia ocidental. Na verdade, a Grécia foi admitida na União Europeia em homenagem aos grandes do passado – Sócrates, Platão, Péricles, Aristóteles – que viveram no século de ouro de Atenas, o quarto antes de Cristo. Porém, transcorridos 2.400 anos, os atuais gregos são completamente diferentes daquele povo extraordinário, como, por exemplo, os mexicanos de hoje nada têm que ver com os astecas ou os maias. No euro o país entrou sem ter condições econômicas mínimas, falsificando suas contas nacionais. A Europa fingiu que não viu. Desde então, pouco mudou nessa situação. A Grécia é provavelmente a nação campeã mundial do jeitinho e uma das piores em termos de produtividade e dinamismo. Sem o turismo não se sabe o que seria do país. Vejam-se algumas pérolas extraídas de uma recente pesquisa contratada pela Comissão Europeia. l Há 50 motoristas para cada carro oficial e 1.763 pessoas protegem as águas do Lago Kopais, embora tenha secado em 1930. l O metrô de Atenas vende A 19 milhões, mas seu custo total chega a A 500 milhões anuais. Por isso, um recente ministro grego dos Transportes propôs fechá-lo e transportar as pessoas de táxi. Sairia mais barato, segundo ele. l Numerosas pessoas obtiveram aposentadorias precoces por exercerem trabalhos supostamente penosos, como cabeleireiros, músicos de instrumentos de sopro, apresentadores de televisão. Ora, os aposentados recebem 96% de seu salário anterior – comparando: na França, são 51%; na Alemanha, 40%; e no Japão, 34%. l Muitas famílias recebem quatro ou cinco aposentadorias ao mesmo tempo, às quais não têm direito. Por outro lado, 40 mil mulheres recebem A 1 mil por mês por serem filhas de funcionários públicos mortos. l A fraude fiscal é enorme: 25% dos gregos não pagam um centavo de Imposto de Renda. Por outro lado, há 4 milhões de funcionários públicos para uma população total de cerca de 11 milhões, ou seja, cerca de 1 milhão a mais do que o Brasil, que tem em torno de 2 milhões de servidores públicos e 200 milhões de habitantes. l Há quatro vezes mais professores com salários elevados do que nos países mais adiantados da Europa, enquanto os resultados escolares se situam entre os piores do continente e há altas taxa de absenteísmo. l Mas não há apenas pobreza na Grécia. Quando estive lá, dois anos atrás, vi no litoral entre Atenas e o Cabo Sounion (cerca de 50 km) diversas marinas repletas de barcos de luxo, só comparáveis às de Miami ou Long Beach. É apenas uma pequena amostra e não sei de quem são os barcos. A Grécia tem talentos inacreditáveis. Nada exporta, salvo alguns produtos farmacêuticos, azeite e vinho. Assim mesmo, toma grandes empréstimos internacionais que nunca paga, mas sempre consegue renegociar e renovar. Há erros básicos em tudo isso, mas desde a independência grega, em 1821, a Europa Ocidental sustenta toda essa farra em nome do século de ouro de Atenas. Será que vai continuar a fazê-lo? Será que algum dia a Grécia vai pôr a casa em ordem? O país sempre contará com a generosidade europeia e não apenas por seu passado. Duas coisas estão certamente na mente dos europeus: o futuro do euro e a estabilidade social da Grécia. Em primeiro lugar, há dúvidas se uma inédita saída do euro debilitaria profundamente a moeda europeia. Depois, como membro da Otan, em posição estratégica no Mediterrâneo, o país é importante para a Europa. Se houver a falência do entendimento com a Europa, temem os líderes europeus que haja radicalização e convulsões sociais, pois seriam inevitáveis a disparada da inflação, a estagnação da economia e o desemprego maciço. O quadro é péssimo, mas eu não apostaria no desfecho mais dramático.

*Luiz Felipe Lampreia é sociólogo e diplomata, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC

Opinião por Luiz Felipe Lampreia