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Os inocentes Dirceu e Genoino

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Por Aloísio de Toledo César
4 min de leitura

Se alguém entrar numa penitenciária e conversar com os presos, individualmente, verificará uma situação muito curiosa, até mesmo engraçada: não há ali nenhum culpado. Quando se pergunta ao preso, como todo juiz faz, ao longo da carreira, "qual é a sua bronca?", logo vem a resposta: "Ah, doutor, armaram pra mim, eu num fiz nada".Se houver insistência quanto ao tipo de crime de que são acusados, quase todos se saem do mesmo jeito: "O meu é o 155", ou o 158, ou o 171, e assim por diante. Quase sempre há dificuldade em obter do preso afirmações como "eu matei", "eu roubei", "eu trafiquei drogas" e outras que tais, porque, afinal, todos se dizem inocentes. Por isso acham preferível dizer o número do artigo do Código Penal pelo qual foram enquadrados, julgados e condenados.O mesmo poderá acontecer com os condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo do mensalão José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares quando estiverem na cadeia, porque, conforme eles propagam o tempo todo, nada fizeram de errado e o que ocorreu - na desculpa esfarrapada com se encobrem - foi o julgamento de um partido político vitorioso. Sim, na visão que procuram propagar, o que houve foi tão somente um julgamento político de pessoas inocentes, tão inocentes que talvez pudessem até ser canonizadas.Enfim, quando José Dirceu, já preso, for indagado a respeito de sua "bronca", depois de reiterar a proclamação de inocência, ele poderá dizer que é o 333, ou seja, corrupção ativa, e o 288, formação de quadrilha. O primeiro prevê pena de 2 a 12 anos e o segundo, de 2 a 5 anos, além de multa, podendo ser aumentada da metade se a vantagem ilícita for também destinada a servidor ou agente público.Dada a gravidade da conduta, por envolver o então chefe da Casa Civil, o cargo mais poderoso da República após o de presidente, não se pode alegar que tenham sido severas as penas a ele impostas. Para os ministros do STF Ricardo Lewandowski, revisor do processo, e Dias Toffoli, não havia prova alguma contra José Dirceu e José Genoino. Havia, sim, provas contra todos os outros, menos contra esses dois mais poderosos.Na visão desses dois juízes, os mesmos delitos, decorrentes das mesmas condutas criminosas, foram admitidos para a imposição de penas aos demais réus, mas não a José Dirceu e Delúbio Soares. Isso equivale a dizer que as provas dos autos foram válidas para condenar e para absolver, conforme as pessoas, sugerindo um paradoxal silogismo jurídico, capaz de entortar o cérebro de quem buscar entendê-lo.Consequência disso está no infeliz surgimento de anedotas que mostram sempre o relator, Joaquim Barbosa, em posição de antagonismo com o revisor, Ricardo Lewandowski. Numa delas, que circula de boca a boca e também pela internet, aparece um preso, na hora do julgamento, pedindo, pelo amor de Deus, para ser julgado por Lewandowski. Apesar de ser tão sério o assunto, o espírito jocoso do brasileiro sempre encontra uma forma de se divertir.Contribui para tal o comportamento desse ministro, ao causar a impressão de que se opõe deliberadamente aos julgamentos e à forma de julgar do relator, Joaquim Barbosa. Lewandowski parece não se haver dado conta de que está sob a luz dos holofotes e de que milhões de brasileiros acompanham, pela televisão, cada gesto, cada olhar, cada palavra dele.Sua irritação quando se retirou do plenário do Supremo porque Barbosa alterou a ordem dos julgamentos, prerrogativa do relator, serviu para demonstrar que Lewandowski anda com os nervos à flor da pele. Não se vê o mesmo nervosismo em Gilmar Mendes, em Celso de Mello, em Marco Aurélio nem em nenhum outro.Essa atitude o diferencia e o deixa numa situação realmente desconfortável perante o julgamento que cada pessoa faz dos ministros daquela Corte. Sim, os ministros estão sendo julgados por cada um de nós e esse ponto é positivo para o reforço de uma instituição que há anos vem sofrendo processo de deboche e desmoralização.Também ganha com esse histórico julgamento a democracia brasileira. Exemplo disso está no próprio José Dirceu, que, ameaçadoramente, afirma que não se vai calar e que vai continuar lutando. Para sua sorte, ele está no Brasil e aqui vai cumprir pena, porque se estivesse na sua amada Cuba, cujo regime sonhou importar para nós, nunca mais poderia abrir a boca, a não ser para cantar o hino cubano e dar vivas a Fidel Castro.É curioso observar que o canto de sereia marxista, que encantou gerações e, felizmente, já não seduz, continuou a fazer estragos e vítimas no Brasil. José Dirceu e José Genoino são duas delas. A geração deles, a mesma da presidente Dilma Rousseff, passou anos a fio estudando Marx e discutindo se foi certa ou errada a opção de Stalin ou de Trotsky para substituir o moribundo Lenin.Até hoje, alguns desse grupo ainda acham que a matança de mais de 10 milhões de adversários, por Stalin, não é fato relevante nem deslustra o encanto do verdadeiro comunismo. Sempre é bom que cada um de nós pergunte a si mesmo se o verdadeiro comunismo é aquele de Cuba, o da China ou o que foi sepultado na Alemanha Oriental, com a queda do Muro de Berlim.Enfim, pelo jeito, foi por água abaixo o sonho do pequeno grupo que pretendeu usar dinheiro público - dinheiro nosso, arrecadado dos impostos que pagamos - para a aventura consistente em comprar votos no Congresso Nacional, em atos de corrupção e de formação de quadrilha, com o propósito de implantar no Brasil uma República sindical socialista.Por trás das grades, terão tempo suficiente para refletir. Dirceu e Genoino já cumpriram pena antes, mas, desta vez, a prisão a eles imposta não vem de ditadura alguma, mas do cumprimento da lei, à qual todos estamos subordinados.* DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULOE-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM