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Opinião|Os jovens e a educação

Atualização:

Uma das principais insatisfações dos jovens que estão no ensino médio está ligada ao fato de eles não verem relação entre o que têm de aprender na escola e suas reflexões sobre a vida e o futuro. Essa clara ausência de conexão entre a realidade e as expectativas de futuro desses alunos e o modelo e o currículo do ensino médio tem origem no próprio modelo dessa etapa, que se tornou mera extensão do ensino fundamental – como se essa faixa etária não tivesse especificidades ou os jovens fossem ainda crianças com baixa autonomia, sem voz e sem um projeto de vida. As manifestações dos estudantes de São Paulo durante a tentativa do governo estadual de implementar uma reestruturação da rede de ensino que implicava fechamento de escolas demonstraram a vontade de protagonizar sua história, participando mais efetivamente da construção de políticas que impactem diretamente seu dia a dia e sua aprendizagem. E isso é uma enorme oportunidade para melhorar profundamente o desenho e, consequentemente, a qualidade da educação.

Se a escola de ensino médio não tem conseguido os resultados esperados em aprendizagem (apenas 9% dos alunos que concluem essa etapa têm proficiência adequada em matemática) e tem graves problemas de atratividade (a taxa de abandono no 1.º ano, na rede pública, é de 10,6%), repensá-la é um desafio enorme e não pode ser vencido sem a participação concreta dos próprios estudantes.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de estudantes de ensino médio nas redes estaduais passou de 537 mil em 1971 para 7 milhões em 2014. O acesso a essa etapa da educação se ampliou de forma extraordinária, mas a escola continua distante dos jovens, na medida em que o mundo tem mudado e ela, não. Já estamos na segunda década do século 21 e continuamos diante de um abismo.

Na vida, os conhecimentos dialogam entre si, mas na escola, não; e os jovens são os primeiros a reconhecer essa situação. Os estudantes da periferia das cidades de São Paulo e do Recife ouvidos pela pesquisa “O que pensam os jovens de baixa renda sobre a escola”, realizada pela Fundação Victor Civita e pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), relataram querer mais atividades práticas, que estejam mais relacionadas com a sua realidade e com seus projetos de vida, e que os professores apresentem muito mais exemplos do cotidiano para contextualizar e melhorar o aprendizado.

Durante a ocupação das escolas em São Paulo, por exemplo, os jovens promoveram as mais diversas oficinas e passaram a demandar que essas atividades também sejam reconhecidas, dentro e fora dos muros da escola, como formas de aprendizagem, deixando de ser um esforço isolado e eventual de um ou outro educador. Eles parecem não se satisfazer com os discursos de privação de direitos e estão buscando pôr em prática seus sonhos de realização.

A Constituição federal aponta claramente a tarefa da educação: “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Ora, nada mais distante do que temos hoje nas escolas, notadamente nas de ensino médio. Seria possível discorrer longamente sobre a falta de propostas e de adequada formação dos professores para garantir aos alunos pleno desenvolvimento e preparo para a cidadania. Focarei aqui a dimensão que é consequência das duas primeiras, mas igualmente importante: a qualificação para o trabalho.

Se as carreiras antes eram estáveis ao longo da vida profissional de um indivíduo, caminhando por trilhas hierárquicas bem definidas, estreitas e afuniladas, hoje o trajeto poderia ser comparado com o da água pelo curso de um rio, mudando conforme a direção das margens, ajustando-se por entre as pedras, dividindo-se quando a foz toma a forma de delta. As carreiras no século 21 são – e serão cada vez mais – dinâmicas, diversificadas, nascidas da inovação. As trajetórias são menos lineares, imprevisíveis, e não se esgotam dentro de uma única área de conhecimento.

Por isso é preciso realizar mudanças estruturais no sistema educacional, mais especialmente no ensino médio e no profissionalizante.

Um passo importante é diversificar a etapa, de modo que ela seja constituída de uma parte comum a todos e de outra que atenda à escolha dos alunos. A parte comum deverá, obviamente, estar de acordo com a Base Nacional Comum (BNC) em construção no Ministério da Educação, atualmente aberta à consulta pública. Para isso a BNC não pode ocupar todo o tempo dos estudantes e não deve ceder à tentação e à pressão de abrigar tudo o que os mais diversos interessados gostariam que ela contivesse. Ela deve garantir aos jovens o aprendizado para o pleno exercício da vida como cidadãos e dar-lhes condições de prosseguir aprendendo na sua área de interesse.

A educação profissional, nessa configuração, deveria ser uma das opções de diversificação do ensino médio, e não uma modalidade sobreposta, como é hoje, em que o conhecimento técnico é somado ao currículo excessivamente acadêmico. O seu desenho deve ser flexível o suficiente para possibilitar ao mesmo tempo a entrada qualificada dos jovens no mercado de trabalho e o seu ingresso no ensino superior, permitindo, por exemplo, que eles cursem a etapa já com ênfase no tema do curso superior que almejam.

Os caminhos para essas importantes e necessárias mudanças, como os propostos aqui, existem e já vêm sendo debatidos no País. No entanto, precisam avançar mais de acordo com a velocidade imposta pelas mudanças que estão ocorrendo na sociedade, e agora mais ainda, diante dos bons ventos que nos trazem os alunos de São Paulo. Não há tempo a perder.

* PRISCILA CRUZ É MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELA HARVARD KENNEDY SCHOOL, FUNDADORA E PRESIDENTE DO MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO