Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Os juízes e o ajuste fiscal

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Que os salários da magistratura estadual estão entre os mais altos de todo o funcionalismo público, superando os dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), já é conhecido há tempo. O que não se sabia é que os vencimentos dos desembargadores dos Tribunais de Justiça superam os dos juízes de segunda instância de países desenvolvidos, como a Inglaterra e os Estados Unidos. Em alguns casos, são superiores aos dos presidentes da Suprema Corte dos países da União Europeia.

Levantamento comparativo realizado pela Fundação Getúlio Vargas, sob coordenação do professor Nelson Marconi, revela que, no Tribunal de Justiça de São Paulo, alguns desembargadores receberam, entre janeiro e junho de 2016, ganho mensal líquido de R$ 100 mil. No de Minas Gerais, foram identificados ganhos maiores, próximos a R$ 200 mil. As duas Cortes alegaram que os desembargadores teriam recebido de uma só vez vários benefícios acumulados. Essa justificativa é usada sempre que há vencimentos elevados, quase nunca se esclarecendo o que sejam os “benefícios acumulados”.

Em média, um desembargador mineiro recebe salário mensal líquido de R$ 56 mil – quase R$ 20 mil acima do teto fixado pela Constituição para o funcionalismo. Já em São Paulo, um desembargador recebe salário líquido de R$ 52 mil por mês. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, países com renda per capita maior e custo de vida superior, um juiz ganha R$ 29 mil e um desembargador, R$ 43 mil.

Os altos vencimentos da magistratura brasileira decorrem de pressões corporativas e artimanhas para contornar o teto constitucional. Quando o teto foi introduzido pela Emenda Constitucional da reforma da administração pública, em 1998, a ideia era incluir no cálculo os salários e todos os auxílios. Mas estes acabaram ficando de fora do cálculo, sob a justificativa da magistratura de que os “penduricalhos” não são renda, mas “verbas de natureza indenizatória”. Dependendo dos 92 tribunais, que têm diferentes padrões de contabilidade, juízes e desembargadores recebem auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-creche, auxílio para plano de saúde e retribuição por acúmulo de jurisdição. Pela Lei Orgânica da Magistratura em vigor, os juízes e desembargadores têm direito a 10 benefícios. O projeto da nova Lei Orgânica prevê 21 benefícios – dentre eles, a concessão de dois salários extras nas férias, reembolso total por despesas médicas e odontológicas não cobertas por plano de saúde e auxílio-transporte para juízes que não tiverem carro oficial, além de prêmio por produtividade e adicionais por prestação de serviços de “natureza especial”.

Ao justificar os altos vencimentos e os expedientes para burlar o teto constitucional, as entidades da magistratura alegam que a carreira de juiz precisa ter as “motivações necessárias” para atrair bons quadros. Na elaboração do projeto da nova Lei Orgânica, o ministro Luiz Fux, do STF, invocou a “necessidade de valorização institucional” da categoria para propor a transferência do poder de reajustar os salários de juízes do Congresso para o Supremo. Por causa das criativas iniciativas da magistratura para burlar o teto, especialistas em finanças públicas alertam para o ajuste fiscal em discussão. Se não houver rigor, afirmam, poderá ocorrer a fixação de um limite para o crescimento dos gastos públicos, peça-chave do ajuste. Nesse caso, os salários do Judiciário terão de se enquadrar nos limites dos gastos públicos, o que deixaria os juízes em direta competição com milhares de servidores.

Por sua vez, o coordenador da pesquisa, Nelson Marconi, avalia que a resistência dos juízes possa levar a resultados diferentes. Nas negociações da ajuda da União aos Estados, a magistratura foi a primeira categoria a se opor à contabilização dos ganhos adicionais como parte dos salários, para efeito de adequação aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Todas as categorias atuarão contra o ajuste fiscal, depois de ver o que os juízes conseguiram”, afirma Marconi, chamando a atenção para a mobilização dos servidores da Polícia Federal, da Receita Federal, da Advocacia-Geral da União, do Banco Central e do Tesouro Nacional.