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Os novos dados do jogo grego

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Por Redação
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Passada a euforia do plebiscito, a realidade prosaica novamente se impõe ao governo grego, negociador de uma dívida considerada impagável por muitos analistas. Mas os fatos impõem-se também aos credores externos, interessados tanto em manter a integridade do clube do euro quanto em evitar o custo geopolítico de uma aproximação maior entre a Grécia e a Rússia. Na Grécia, o povo rejeitou a austeridade e os sacrifícios cobrados pelos governos da zona do euro e pelos dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Contados os votos, a multidão festejou. O recado foi transmitido e as autoridades europeias responderam quase com frieza: desejam manter íntegra a união monetária, mas os gregos terão de fazer os ajustes e reformas necessários à restauração de sua economia. O ministro das Finanças da Espanha, Luis de Guindos, declarou-se disposto a apoiar um novo resgate, mas sem dispensar as “múltiplas e inevitáveis” mudanças cobradas do governo grego.

A manifestação do ministro espanhol é especialmente significativa: os cidadãos de seu país enfrentaram ajustes muito duros, viveram uma recessão e ainda sofrem com o desemprego, mas o país voltou a crescer e recuperou acesso ao mercado financeiro. Por todos esses fatores, o recado de Guindos é mais expressivo do que qualquer manifestação da chanceler alemã Angela Merkel. Mas as primeiras declarações dos ministros europeus são apenas parte da movimentação inicial para a nova fase das negociações.

Já na segunda-feira, líderes governistas e da oposição assinaram em Atenas um documento de apoio a uma nova etapa de negociações. Uma das cláusulas condiciona qualquer acordo a uma reestruturação da dívida. O governo grego volta à presença dos credores com um novo mandato para negociar. Esse mandato foi definido em parte no plebiscito e em parte na reunião de sete horas dos líderes partidários com o Executivo.

Mas a renegociação será retomada com pelo menos uma concessão aos credores. Pressionado por seu governo e pelos credores, Yanis Varoufakis deixou o posto de ministro das Finanças. Foi substituído pelo economista Euclid Tsakalotos, braço direito de Tsipras nas negociações. Os europeus consideravam Varoufakis um obstáculo ao entendimento. A mudança realça o propósito de ficar na zona do euro.

Do outro lado, as declarações foram quase repetitivas, com insistência em dois pontos – a disposição de renovar o apoio financeiro e a reiterada cobrança de ajustes e de reformas. Algumas autoridades adotaram um tom mais brando. O primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, defendeu uma solução urgente, porque a Grécia “está em condições econômicas e sociais muito difíceis”. Autoridades alemãs, como sempre, foram as mais duras. Mas o ministro das Finanças da Alemanha, Sigmar Gabriel, mencionou a hipótese de uma ajuda humanitária à Grécia, se houver escassez de bens essenciais, como remédios.

Para os gregos, a manifestação mais importante pode ter sido a do presidente russo, Vladimir Putin. Ele telefonou ao primeiro-ministro Tsipras depois do plebiscito para declarar apoio à população grega. Se for derrotado nas negociações, o governo grego contará muito provavelmente com o apoio russo. Mesmo com dificuldades econômicas, Putin poderá representar para a Grécia isolada o papel de salvador. Esse papel foi representado pelo venezuelano Hugo Chávez quando se dispôs a financiar o Tesouro argentino. Mas a semelhança entre os dois casos é limitada.

A Grécia poderá oferecer à Rússia, no caso de uma aproximação estratégica, vantagens consideráveis do ponto de vista geopolítico. Nenhum governo ocidental ignora essa possibilidade. Os negociadores gregos provavelmente nem mencionarão essa possibilidade. Mas o risco será quase com certeza levado em conta. Para os gregos, depender financeiramente das potências ocidentais e do FMI é mais confortável e menos custoso que assumir uma relação subordinada com a Rússia. Mas a nova etapa do jogo apenas começa. O impasse atual foi produzido por erros cometidos pelos dois lados. Não há seguro contra novos erros.