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Opinião|Pautas-pombo e afiscalose de Brasília

Atualização:

Defino essas pautas como variantes das chamadas pautas-bomba, medidas que o Congresso Nacional ameaça votar – e às vezes aprova mesmo – e que são capazes de causar grandes danos às contas públicas. Isso, se não vetadas pelo Executivo e se vetos forem derrubados no Legislativo. E o próprio Executivo tem suas pautas-bomba, como as explodidas pela presidente Dilma Rousseff.

Como os explosivos, elas têm seu impacto circunscrito a uma determinada área, neste caso, dentro do Orçamento federal. Mas há pautas-bomba cujo dano também contagia Estados e municípios, direta ou indiretamente. É o que chamo de pautas-pombo.

Essa ave é ambiguamente avaliada. Um casal delas simboliza o amor e uma pomba branca, a paz. Mas pombos transmitem ao ser humano várias doenças, e a recomendação é guardar distância deles, de seus ninhos e de outros lugares onde deixam seus dejetos. No site do Ministério da Saúde vi que há quatro doenças transmitidas por pombos, três delas de nome terminado em ose, como a ornitose. Assim, uma pauta-pombo é contagiosa e, na sua origem, também envolve sujeira orçamentária ou fiscal. Fiscalose poderia ser o nome da doença.

Exemplos de sua transmissão: um teto salarial maior, se fixado para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), repercutiria diretamente nas finanças dos Estados, pois seus juízes têm remuneração proporcional a esse teto; um impacto indireto ocorrerá se servidores públicos federais tiverem um aumento salarial e os estaduais e municipais usarem esse fato para também pleitearem um reajuste, mesmo sem legislação ligando uma coisa à outra. E alguma concessão vier com o resultado.

Enquanto no governo, a afastada presidente Dilma pautou sua gestão das finanças federais com suas próprias bombas, de proporções nucleares, transportadas com pedaladas fiscais, mais as aceleradas que ampliaram verbas sem cobertura orçamentária. E vieram como que revoadas de pombos a disseminar pelos Estados e municípios o efeito danoso dessas bombas, passando pela retração de consumidores e produtores desconfiados e pela consequente queda da atividade produtiva e da arrecadação tributária também nesses entes federativos.

No momento em que se discute o indispensável e imenso ajuste fiscal que o governo Temer tenta iniciar em Brasília, sua equipe econômica é de primeira linha. Mas o enredo do ajuste também mostra personagens com interesses de todo tipo, com destaque para a classe política. E há as corporações burocráticas sempre a bradar: “E o meu, como fica?”.

Temer aparentemente desarmou uma pauta-pombo, a que ampliava o teto salarial dos juízes do STF, com a repercussão federativa já citada. Mas outra, de efeitos indiretos, tornou-se até mais séria nesta semana. Trata-se de um reajuste para os servidores federais, cuja estimativa de custo era de R$ 52,9 bilhões, e passou a R$ 67,7 bilhões, depois de mais um “erro de estimativa”. Os jornais também informaram que há senadores contrários a esse aumento de salários, já aprovado pela Câmara, informada por números agora revisados para cima.

Seria uma boa surpresa se não fosse aprovado no Senado, pois o governo federal não tem dinheiro para dar esse aumento. Como seria financiado? Com mais dívida pública – e não é boa prática financeira ampliá-la para gastos desse tipo. Imagine o leitor se tivesse de fazer dívida para pagar os salários de seus empregados, mesmo que fosse apenas o de uma empregada doméstica.

E se os servidores estaduais e municipais gritarem “também quero!”? Ora, há Estados e municípios que já estão até atrasando o pagamento dos salários. Viria uma grande pressão sobre governadores e prefeitos para que fizessem alguma concessão. E sobreviriam dificuldades, dado que esses entes federativos não podem ampliar sua dívida e estão sujeitos a tetos de despesas que a União não tem.

Com isso, ela pode assegurar a seus estáveis servidores este privilégio de um reajuste multibilionário. O setor privado se ajusta reduzindo sua força de trabalho, como mostram as estatísticas, numa escolha imposta por recursos escassos. Ou reduz o salário ou reduz o emprego. Ou seja, ou se ajusta o preço ou se ajusta a quantidade, uma regra econômica. Até a ex-toda-poderosa Petrobrás está tentando reduzir jornada de trabalho e salários de seus trabalhadores para não cortar empregos. Segundo notícia no site deste jornal na segunda-feira, ela quer retomar a negociação de acordo coletivo, rejeitado no ano passado, voltado para cortar a jornada para seis horas e diminuir remunerações em 25%.

Portanto, este reajuste de salários dos servidores federais não combina com o propósito governamental de iniciar o ajuste das contas governamentais. Boas intenções são sacrificadas a pretexto de não criar atritos com a burocracia nem com os políticos que a defendem, pois entende-se que sem isso o governo não teria no Congresso o apoio político necessário para iniciar a arrumação da casa.

Entre outras medidas em que está apostando, o noticiário informava que ontem o governo levaria ao Congresso Nacional um projeto para impor um limite ao crescimento das despesas primárias federais. Se aprovado, estas não poderiam ser reajustadas além da inflação do ano anterior. Mas, como já há déficits enormes e a arrecadação vem crescendo menos do que a inflação, outro limite deveria ser o aumento nominal da arrecadação, o que fosse menor.

Nessa linha atual, o ajuste tomará mais tempo do que o desejável. Foi por isso que falei acima apenas do seu início. Só nesta fase inicial, vai tomar alguns anos. É este o tamanho da enrascada econômica e social em que o PT deixou o País, e as condições políticas não oferecem espaço para soluções de maior profundidade. Com espanto, a população contempla tudo isso, mas ainda não tem noção clara da enorme gravidade dos problemas por resolver nem das limitadas soluções disponíveis.

*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard) e consultor econômico e de Ensino Superior