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Perigosa repatriação

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Por Redação
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Em meio ao maior escândalo de corrupção de que se tem notícia na história do País, em que uma incalculável fortuna em propinas foi guardada em cofres suíços, era de esperar um pouco de cuidado com projetos de lei que tentam facilitar a repatriação de recursos. No entanto, no desespero de quem gastou o que tinha e o que não tinha, o Palácio do Planalto abre mão de qualquer resquício de prudência na esperança de obter mais receita. E o triste é que a Câmara dos Deputados assina embaixo desse tipo de medida.

Trata-se do Projeto de Lei 2.960/15, apresentado em setembro pelo Poder Executivo, criando um regime especial de regularização de recursos mantidos no exterior sem conhecimento do Fisco e fixando um tributo para sua legalização perante a Receita Federal.

De acordo com o texto aprovado na Câmara – e que agora vai ao Senado –, quem repatriar o dinheiro pagará 30% sobre os ativos (15% em Imposto de Renda e 15% em multa) e não terá de prestar contas à Justiça. Estará isento de todos os tributos federais e penalidades aplicáveis por outros órgãos regulatórios, que poderiam ter incidido sobre os fatos geradores relacionados aos bens declarados até 31 de dezembro de 2014. No caso de repatriação de valores até o limite de R$ 10 mil por pessoa, não há incidência de multa, apenas do Imposto de Renda.

É razoável, e assim foi feito em vários países, aprovar leis que anistiam crimes fiscais com o intuito de estimular a repatriação de recursos. No entanto, esse projeto ultrapassa perigosamente essa finalidade. Ainda que o governo insista em que o regime especial será aplicado apenas aos recursos de origem lícita, graças às emendas que recebeu o teor do projeto de lei contraria essa versão.

A proposta original do governo previa anistia para os crimes de sonegação, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Ora, ao incluir esses tipos de crime na anistia, o projeto de lei possibilita a regularização de recursos não apenas de quem descumpriu obrigações tributárias. Ele abre as portas para quem atuou de forma criminosa, muito além da mera esfera fiscal.

Como se já não fosse amplo demais o teor original proposto pelo Poder Executivo, o relator do projeto na Câmara, deputado Manoel Junior (PMDB-PB), ainda incluiu mais crimes a serem perdoados – uso de documento falso, contabilidade paralela, funcionamento irregular de instituição financeira e falsa identidade a terceiro para operação de câmbio. Essa anistia tão ampla, como é óbvio, não tem como objetivo regularizar apenas recursos, bens e direitos com origem lícita.

Merece registro uma emenda aprovada, de autoria do deputado Bruno Covas (PSDB-SP), que proíbe a participação de políticos, detentores de cargos e seus parentes até o segundo grau no programa de repatriação de recursos. Ainda que não salve totalmente o projeto – ele ainda continua com suas perniciosas anistias –, a emenda melhora um pouco as coisas. Evita ao menos que alguém possa pensar que algum deputado estivesse votando em causa própria, para regularizar algum dinheirinho que tem lá fora.

Como se escreveu nesse espaço por ocasião da apresentação do projeto, “não há ajuste fiscal que justifique esse tratamento simpático a quem enganou o Fisco – e, em muitos casos, enviou ao exterior dinheiro oriundo de crimes os mais diversos”. É certo que o Congresso deve atuar responsavelmente e não fechar os olhos à imperiosa necessidade de rearrumar as contas públicas, tão bagunçadas nesses anos de lulopetismo. Não se pode, no entanto, dar carta branca para qualquer medida que aumente as receitas.

Ainda há a esperança de que, ao votarem o Projeto 2.960/15, os senadores não se esqueçam dos contribuintes que pagam seus impostos em dia, não são corruptos e não lucram com a dilapidação do erário. Seria fazer-lhes pouco-caso aprovar uma lei dizendo que o crime compensa.