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Pior do que ingenuidade

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Por Redação
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Antes de viajar para Damasco, representando o Brasil na missão conjunta com a Índia e a África do Sul para exortar o governo sírio a parar com o que chamou de "violência desproporcional contra manifestantes desarmados" e a efetivar as reformas prometidas pelo ditador Bashar Assad, o subsecretário das Relações Exteriores para o Oriente Médio, Paulo Cordeiro de Andrade Pinto, disse que o Itamaraty "não é ingênuo" e o Brasil "não é Poliana". Ele queria deixar claro, com isso, que a diplomacia brasileira não nutria esperanças infundadas sobre as intenções de Assad em face do movimento pela democratização do país que completa cinco meses esta semana e contabiliza mais de 2 mil ativistas mortos pelas forças de segurança e o Exército.No entanto, depois do que se divulgou do encontro dos enviados de médio escalão dos três países, que formam o grupo Ibas, com o chanceler sírio Walid Muallem e da imprevista audiência de meia hora que lhes concedeu o ditador em pessoa, numa aparente transgressão do protocolo destinada a mostrar aos seus e ao mundo que o regime não está isolado - como está, e cada vez mais -, é de perguntar se ainda não é pior do que ingênuo o comportamento do Brasil na tragédia síria. A ida a Damasco, em nome da discutível premissa de que o diálogo é sempre mais eficaz do que pressões políticas, boicotes econômicos e sanções diplomáticas para resolver conflitos, ainda quando se trate de um conflito entre opressores e oprimidos, foi tardia e se revelou uma gritante irrelevância - exceto por ter levado conforto a uma ditadura equiparando sua violência na repressão à dos reprimidos.Tardia porque Bashar não esperou a aparição do Brasil e dos seus parceiros para fazer promessas que o retrospecto indica que ele não tem a menor intenção de cumprir - "democracia pluripartidária" com eleições livres até o fim do ano e reforma constitucional nos primeiros meses de 2012. Tardia ainda porque a missão trilateral foi precedida pela decisão da Arábia Saudita e seus vizinhos de retirar seus embaixadores de Damasco e pela não menos inédita condenação da Liga Árabe às brutalidades do regime. E tardia, por fim, por ocorrer quando se adensam os sinais de fraturas na coalizão de interesses clânicos, sectários, políticos, militares e econômicos que sustentam há 40 anos o poder do partido único Baath e do estado policial criado pelo pai de Bashar, o facinoroso Hafez Assad.Aconteça o que acontecer doravante na Síria, os dias de Bashar estão contados, o que não significa que serão poucos. Mas o chanceler Antonio Patriota defende o indefensável status quo no país, sob a alegação de que "alternativas ao governo atual podem ser mais problemáticas", como os remédios - comparou - que matam o paciente. Até parece que o Brasil tem autoridade moral para prescrevê-los e escolher a dosagem. O que teve, isso sim, foi a deplorável oportunidade de confortar a tirania síria, ao permitir-lhe que explorasse à farta as reuniões em Damasco para fins de propaganda, o que o Itamaraty tinha a obrigação de prever. Enfim, a ação diplomática foi de uma irrelevância a toda prova porque não produziu nada de concreto - a não ser mais uma derrota para o Itamaraty - nem chamou a atenção internacional. Seria diferente se, numa hipótese poliana, Brasil, Índia e África do Sul arrancassem de Bashar o que não conseguiu a tíbia "declaração presidencial" do Conselho de Segurança da ONU, na semana passada: para começar, a revogação imediata do bloqueio ao ingresso de jornalistas estrangeiros no país e a suspensão incondicional dos ataques a civis - que, acaba-se de saber, chegaram a ponto de incluir o uso de baterias antiaéreas contra a população da cidade insurgente de Hama. Pelo menos o chanceler turco Ahmet Davutoglu, que na terça-feira se reuniu durante seis horas com Bashar, não exatamente para ouvir divagações sobre as origens da contestação "armada" ao seu governo, como os diplomatas do Ibas, foi firme o suficiente para dele exigir o fim da repressão em 48 horas. Mas Ancara conta - e Brasília faz fútil expressão corporal de contar.Além disso, países como a Turquia e a Arábia Saudita têm robustas razões estratégicas para querer amoldar aos seus interesses o futuro da Síria. E o Brasil?