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Opinião|Planejamento tributário e a MP 685

Atualização:

A mais recente tentativa do governo federal de manter o controle sobre as estratégias dos contribuintes de reduzir custos com tributos já nasce com data de validade. São pequenas as chances de a Medida Provisória (MP) 685, publicada no dia 22 de julho, se tornar lei no Congresso Nacional. Pelo menos quanto ao seu principal objetivo: o de impedir a elisão fiscal, por meio da qual os contribuintes, usando de estratégias permitidas pela legislação, reduzem a carga fiscal sobre suas operações. Depois dos 180 dias em que a MP pode viger, a regra poderá ruir por uma razão simples: há 13 anos, um texto semelhante foi rejeitado pelo Legislativo. A razão foi que, não existindo proibição legal de pagar menos tributos – exceto nos casos de fraude e simulação –, não há como definir “planejamento fiscal abusivo”.

A edição da MP 685, em especial o artigo 7.º e os seguintes, trouxe uma série de obrigações bastante controvertidas e que ainda gerarão calorosas discussões. Com ela, surgiu a exigência de declarar os planejamentos tributários feitos pelas empresas, permitindo à Receita Federal exercer maior controle sobre as reorganizações societárias e atos que impliquem redução na carga tributária. Com poder, inclusive, de anulação dos efeitos jurídicos de tais atos.

Essa necessidade da Receita Federal de obter tais informações se baseia numa tese fiscalista insistente: a de que alguns planejamentos são ilegais por visarem apenas e tão somente a pagar menos.

Por seu turno, os contribuintes sempre defenderam que planejamentos que observam todas as formalidades legais – ou seja, que não descumprem nenhuma norma tributária ou societária – não podem ser anulados ou desconsiderados.

O debate vem sendo travado há anos. Em 2002, um ano após a edição da Lei Complementar n.º 104, foi criada a Norma Geral Antielisiva, que permitia ao Fisco questionar planejamentos tributários, ainda que seguissem formalmente a legislação. A norma foi introduzida pela Medida Provisória 66, que, no entanto, teve seus artigos de 13 a 19 derrubados. A Câmara dos Deputados rejeitou a introdução do “propósito negocial” como requisito de validade de acertos jurídicos, além das disposições sobre o abuso de forma.

Era a primeira derrota do Fisco a respeito no Legislativo, que rejeitava raciocínio semelhante ao da atual MP 685. Hoje, a Receita Federal argumenta que uma maior fiscalização dos atos formalmente regulares está em consonância com práticas internacionais.

Mesmo com o insucesso na Câmara, na prática a Fazenda continuou a fazer uso do mesmo mecanismo, adotando critérios mais amplos para desconsideração dos efeitos tributários das transações. Destarte, ainda que sem expressa previsão legal, a “ausência de motivos extratributários” passou a ser um indicativo de simulação, punível com multas de até 150% do valor não recolhido.

A prática levou o antigo Conselho de Contribuintes – hoje Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) –, a partir de 2007, a paulatinamente mencionar em suas decisões o “propósito negocial” como critério de legitimidade de operações societárias e comerciais que redundavam em recolhimentos menores. Em 2011, o conceito de “substância econômica” também passou a ser arrimo para autuações.

Tal foi a sedimentação dessas premissas que, em 2015, mais de 70 decisões do Carf utilizaram os conceitos de “propósito negocial” e “substância econômica” para anular atos societários legais.

E é esse mesmo entendimento que o Fisco traz, agora, na MP 685. Com a estratégia de não dizer textualmente tratar-se de uma nova tentativa de regulamentar a Lei Complementar n.º 104, a norma, refletindo a jurisprudência do Carf, passa a exigir que o contribuinte indique mudanças que implicaram redução de tributos. Na prática, a exigência dá ao Fisco o controle imediato de tais negócios. E força o contribuinte a identificar, em lugar dos fiscais, vícios em seus próprios atos, mediante critérios que não estão expressamente regulamentados.

A lista de exigências questionáveis é grande. De acordo com o texto da MP, a Receita buscará identificar nos negócios e operações societárias informados elementos de fraude, simulação ou ausência de propósito que não a redução de tributos. Deverá, ainda, pedir detalhamentos específicos sobre operações pouco usuais, que não tenham razões extratributárias relevantes, ou que desnaturem a essência ou conceitos de um contrato típico.

O mais grave, porém, é a tentativa de impor a qualificação da multa – o aumento da multa de ofício para 150% –, além da instauração de procedimento penal, em razão da simples falta de comunicação das operações ao Fisco. Tal disposição está prevista no artigo 12 da medida provisória: “O descumprimento do disposto no artigo 7.º ou a ocorrência de alguma das situações previstas no artigo 11 caracteriza omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude e os tributos devidos serão cobrados acrescidos de juros de mora e da multa prevista no § 1.º do artigo 44 da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996”.

A mencionada Lei n.º 9.430/1996, em seu artigo 44, prevê as hipóteses em que poderá ser aplicado, como medida extremamente excepcional, o agravamento da multa. Nelas não se enquadra uma simples falta de comunicação, que não pode ser equiparada a uma omissão dolosa com intuito de sonegar ou fraudar. Em outras palavras, a análise de eventual fraude, simulação ou sonegação deve ser feita à luz da operação/reorganização societária em si, e não pela simples ausência da obrigação acessória de declarar um ato jurídico. Esse descompasso entre o ato de prestar uma declaração ao Fisco e a penalidade a ser aplicada é outro exemplo, entre muitos outros, de por que poderá ser rejeitada, pelo Legislativo, a MP 685.

*Marcos Vinícius Barros Ottoni é advogado

Opinião por Marcos Vinícius Barros Ottoni