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Opinião|Política e crime organizado

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Atualização:

Depois de o secretário municipal dos Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto, acusar a Polícia Militar de falta de empenho para conter a baderna dos grevistas das empresas de ônibus, o governo do Estado revelou o conteúdo de um inquérito do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) que apurava uma série de incêndios de coletivos na capital paulista desde o início do ano. Segundo matéria da revista Veja, a polícia descobriu que um aliado de Tatto, o deputado estadual Luiz Moura (PT), havia participado de uma reunião, em 17 de março, na cooperativa Transcooper, com 13 integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e até um acusado de ter envolvimento no assalto do Banco Central no Ceará, em 2005. De acordo com a polícia, ao menos 11 dos 13 membros do PCC não têm ligação com transporte. Eles estariam ali a serviço dos cooperados, supostamente interessados em incendiar os ônibus concorrentes. Há dez anos, as cooperativas realizavam 30% das viagens da capital e as empresas, 70%. Hoje a situação se inverteu. Sob pressão do comando do PT em São Paulo, Moura subiu à tribuna da Assembleia Legislativa para negar que tenha relações com o PCC e despejar críticas à imprensa. No pronunciamento público algo tardio, o primeiro desde que teve o seu nome envolvido com a organização criminosa, ele afirmou que a mídia tem noticiado "inverdades" e "injustiças" a seu respeito. "Eu não tenho ligação nenhuma com o crime organizado. Eu sou ficha-limpa e não tenho um processo sequer contra mim", disse. Nos anos 1990 Moura foi condenado a cumprir 12 anos de prisão por assalto à mão armada. Foi preso e, depois de um ano e meio de pena, fugiu da cadeia. Passou um longo período foragido e só se reapresentou à Justiça quando seus crimes prescreveram. Entrou, então, para o PT. Os precedentes criminais do deputado, sem prejulgamentos ou precipitações, exigem investigação séria e aprofundada. Luiz Moura deve algumas explicações à sociedade. E a primeira está relacionada ao seu aumento patrimonial. Em cinco anos o deputado saiu de uma situação de pobreza para se tornar dono de um patrimônio de R$ 5,1 milhões. Em janeiro de 2005, para solicitar sua reabilitação criminal à Justiça catarinense - que o condenara por roubo -, Moura alegou que praticara os crimes porque usava drogas, mas se regenerara, e assinou um atestado de pobreza no qual sustentava não ter "condições financeiras de ressarcir a vítima" - no caso, um supermercado. Além disso, apresentou uma declaração de Imposto de Renda de 2004 (referente ao ano de 2003) na qual declarava que, em todo o ano anterior, tivera rendimentos que somaram R$ 15,8 mil. Em 2010, contudo, quando se apresentou pela primeira vez como candidato, Luiz Moura, em sua declaração de bens, apresentou um patrimônio de R$ 5,1 milhões, dos quais R$ 4 milhões em cotas de uma empresa de ônibus - a Happy Play Tour -, cinco postos de gasolina, quatro casas e um ônibus. Impõe-se o esclarecimento. A sociedade e o próprio PT têm o direito de conhecer as justificativas para tão brilhante crescimento patrimonial. E o deputado, certamente, é o maior interessado em dar as informações pertinentes. Cabe ainda ao deputado dar explicações concretas a respeito de sua participação na reunião que foi interrompida pela ação policial. Na tribuna da Assembleia, Moura disse que participou do encontro por causa de sua militância na área de transportes. E que tentava evitar uma greve na zona leste de São Paulo. Não resolve a questão. A explicação que continua devendo é bem concreta. Como explicar que um homem público, "militante da área de transportes", certamente conhecedor do setor e dos seus pares, tenha participado de uma reunião que contou com a presença de 13 integrantes do PCC? Estamos falando de mais de 30% dos participantes. A influência do deputado na área dos transportes não é pequena. Basta registrar que o secretário municipal Jilmar Tatto bancou quase um terço da campanha para deputado estadual de Luiz Moura. Sozinho, o secretário do prefeito Fernando Haddad (PT) fez 23 doações à campanha de Moura, totalizando R$ 201 mil. Procurado pelo jornal Folha de S.Paulo, Tatto limitou-se a dizer que sua resposta era a mesma que consta de nota enviada pela Secretaria dos Transportes. "A relação política que o secretário Jilmar Tatto tem com o deputado Luiz Moura ocorre no âmbito institucional e democrático, da mesma forma que com os e-mails parlamentares do PT e de outras legendas", diz a nota. A denúncia não foi esclarecida. Notas anódinas ou declarações genéricas não são satisfatórias. Não é de hoje que pairam suspeitas sobre eventuais incursões do crime organizado na área de transportes na capital paulista. Incêndios de ônibus não podem ser encarados como algo normal. É preciso investigar quem são os mandantes e tomar as oportunas providências de combate ao crime. Trata-se de assunto de interesse público relevante. É preciso apurar, empunhar o bisturi e ir fundo. É possível que estejamos vendo a ponta do iceberg de algo gravíssimo. A imprensa, mais uma vez, fez o seu trabalho. Nós, jornalistas, sem engajamento algum, mas cumprindo rigorosamente o nosso dever de denúncia, podemos contribuir poderosamente para a renovação ética do País. O combate ao crime deve ser uma bandeira permanente. Para isso, sem prejulgamento ou parcialidade, é preciso fugir do insosso jornalismo declaratório e investir na metodologia da dúvida. Interrogar e duvidar é um dever profissional elementar, sobretudo quando se cobrem assuntos de interesse público. E ninguém, salvo se tiver algo a esconder, pode sentir-se constrangido com a investigação da imprensa.*Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais. E-mail: difranco@iics.org.br.

Opinião por Carlos Alberto Di Franco

Jornalista