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Opinião|Por falar em corrupção

Atualização:

A corrupção domina as atenções de todos no Brasil pela profundidade das investigações e imprevisibilidade de seus resultados, que afetam o meio político e empresarial. Liderado pelo Ministério Público e por destemido juiz federal, o movimento passou por quase 30 etapas e adquiriu ritmo próprio. No maior parceiro comercial do Brasil, a China, ocorre um combate feroz à corrupção e passa-se por um momento muito semelhante ao que ocorre no Brasil. A iniciativa, porém, coube ao presidente chinês, Xi Jinping, empenhado em combatê-la firmemente com grande repercussão pública e, como na Lava Jato, sem um fim imediato à vista.

Estudo recente da consultoria de risco político Eurasia Group oferece uma visão de conjunto da campanha anticorrupção, cujos resultados vale a pena examinar.

O comando da campanha já se desdobrou em oito etapas desde 2013. O número de instituições inspecionadas mais que dobrou desde que Xi Jinping assumiu o poder. O foco das investigações mudou dos governos provinciais (em 2013 e 2014) para as empresas estatais, para a direção do governo (Comitê Central do Partido Comunista), para diferentes órgãos do governo (2014 e 2015) e, atualmente, para o setor financeiro.

Desde fins de outubro de 2015, o governo Xi Jinping já prendeu um vice-presidente da comissão reguladora da empresa de valores mobiliários, diversos presidentes de companhias estatais (Banco da Agricultura, Dongfeng Motores, companhia aérea do sul da China e a companhia de petróleo Sinopec), cerca de uma dúzia de altos funcionários do Comitê Central do Partido Comunista em Shonghxi, Beijing e Ningzin. Todos os 31 governos provinciais perderam altos funcionários por investigação anticorrupção. Desde o final de novembro foram presos 149 ministros e vice-ministros, incluindo 52 oficiais militares, 14 presidentes de empresas estatais e mais de 10 mil funcionários de nível municipal.

É curioso verificar os setores em que na China os atos criminosos ficaram concentrados.

No setor de petróleo, um dos objetivos da campanha anticorrupção é possibilitar o aumento da eficiência da indústria controlada por três companhias (CNPC, Sinopec e Cnooc), por meio da abertura do setor, que exporia essas empresas a maior competição. Nesse sentido, a campanha anticorrupção no setor coincidiu com medidas voltadas para aumentar o número de novas empresas, ao lhes conceder quotas de importação do óleo, licença para um número crescente de refinarias independentes e permissão para que empresas privadas construam terminais de LNG com autorização para empresas privadas e estatais participarem de licitações em empreendimentos upstream em petróleo.

No setor elétrico, a campanha anticorrupção está ajudando a destravar reformas sempre adiadas. Em setembro de 2014, o Conselho de Estado divulgou plano para reforma da indústria três dias depois do início da investigação de altos funcionários do departamento responsável pela fixação de tarifas de eletricidade. Uma auditoria de rotina da empresas State Grid – ao lado da CNPC, uma das mais poderosas empresas estatais chinesas – descobriu gastos “malfeitos” de mais de US$ 1 bilhão. State Grid, Southern Grid e diversas companhias geradoras foram incluídas em inspeções gerais em 2015. Essas reformas objetivam a aumentar a eficiência, reduzir o preço, permitir que as geradoras possam vender eletricidade diretamente aos consumidores finais e permitir que novas empresas distribuidoras possam ser criadas.

No setor de telecomunicações, a campanha anticorrupção visa igualmente a reformar o setor e expor as três grandes empresas de transmissão a uma maior competição, a aumentar a rapidez dos serviços e a diminuir o custo para os consumidores. Isso contribuiria para a China ter um papel de liderança no desenvolvimento da tecnologia e produção G5.

O setor financeiro é o alvo atual da campanha de Xi Jinping contra a corrupção. Em outubro passado, na terceira etapa da operação, das 31 existentes, foram investigadas 21 instituições. Nunca um único setor foi tão deliberadamente visado numa única etapa da investigação. A lista de investigados foi bastante ampla, alcançando reguladoras, órgãos governamentais e o Banco do Povo (banco central da China), a administração estatal da Bolsa de Futuros, as comissões reguladoras financeiras de bancos, seguros e valores mobiliários, as Bolsas de Shanghai e Shenzhen, os cinco grandes bancos comerciais estatais e algumas das maiores firmas de serviços financeiros. A instituição mais atingida foi a Comissão Reguladora de Valores Mobiliários, responsável pelo monitoramento das bolsas de valores. Como nos outros setores, as investigações buscam acelerar as reformas e novas formas de abertura do setor, especialmente na indústria de valores mobiliários.

Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde a campanha do Ministério Público não tem outro objetivo senão punir os que formaram uma quadrilha para assaltar as empresas estatais, a campanha anticorrupção liderada pelo próprio governo chinês tornou-se importante instrumento para avançar a agenda das reformas econômicas modernizantes, mas também para afastar adversários políticos que possam ameaçar o poder do líder máximo do partido comunista.

Xi Jinping está usando a campanha anticorrupção para enfraquecer atores políticos poderosos, especialmente dirigentes de empresas estatais, resistentes a mudanças econômicas que estão modernizando o país. Especificamente, essa campanha abre caminho para a implantação de reformas nas empresas e em setores da indústria mais importantes como petróleo, gás natural, geração de energia e telecomunicações, dominados pelas empresas estatais.

A ação do Ministério Público no Brasil, por vias transversas, está abrindo a possibilidade de uma ampla reforma modernizante nas companhias estatais, em especial na Petrobrás e no BNDES.

*Rubens Barbosa é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior

Opinião por Rubens Barbosa