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Por que preservar a OMC

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Por Redação
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Estará em jogo muito mais que o futuro de uma rodada global de negociações comerciais, a Rodada Doha, na próxima reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), marcada para dezembro na ilha de Bali. Com realismo, dificilmente se pode esperar mais que um pequeno passo na direção de mercados mais livres e mais eficientes, mas mesmo um acordo limitado poderá ser muito positivo. Se nada for conseguido, o fracasso poderá enfraquecer a própria OMC como fórum multilateral e entidade reguladora do sistema comercial - no ano passado, um jogo de US$ 18,3 trilhões de exportações de bens e US$ 4,3 trilhões de transações com serviços. O sucesso em Bali produzirá grandes benefícios, mas um fracasso produzirá consequências ainda maiores, lembrou o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, em seu primeiro discurso ao Conselho Geral da entidade depois de assumir o posto. A OMC aparece em manchetes quando promove negociações para um comércio mais livre e mais próspero, mas seu papel principal, no dia a dia, é supervisionar o intercâmbio, promover a divulgação e a troca de informações vitais e garantir a lei e a ordem no mercado. Um dos objetivos desse trabalho é reduzir o desequilíbrio entre os maiores e os menores jogadores. A força faz diferença no comércio internacional, onde as economias maiores, mais eficientes e mais influentes podem levar vantagem, mas, apesar disso, um sistema de regras impõe limites à lei do mais forte. Graças a isso, os EUA já foram forçados a buscar acordos para compensar prejuízos causados a outros países.Certamente imperfeito, o sistema de regras comerciais é o mais bem-sucedido exemplo de ordenação internacional e de imposição de normas a todos os participantes. Nem sempre, é verdade, a igualdade prevalece. Uma grande potência condenada por práticas ilegais pode recusar-se a adotar as medidas recomendadas pelos árbitros. Nesse caso, a outra parte será autorizada a aplicar retaliações comerciais, mas esse caminho nem sempre será o mais adequado, especialmente no caso de uma economia muito menor. Apesar disso, a mera possibilidade de um julgamento imparcial, técnico e baseado em normas aceitas internacionalmente garante à OMC uma posição singular entre as entidades multilaterais.Hoje são 159 os participantes do sistema. Na maior parte, são economias emergentes e em desenvolvimento e sua segurança comercial é certamente reforçada pela atuação da OMC. O número de associados poderá crescer, nos próximos anos, se for mantido o prestígio da organização. É preciso pensar na sobrevivência do sistema e no seu potencial de aperfeiçoamento, quando se consideram as consequências possíveis de um sucesso, mesmo limitado, ou de um fracasso na conferência de Bali.O novo diretor-geral insistiu nesse ponto, em seu discurso, ao chamar a atenção mais para o custo de uma frustração do que para os benefícios - pelo menos a curto prazo - de um passo à frente no rumo de um acordo. O risco é grande, como lembrou Azevêdo em uma entrevista, porque o baixo crescimento e o alto desemprego tenderão a dificultar, ainda por alguns anos, avanços importantes em uma negociação global de comércio. Mas o impasse da Rodada Doha, antes e depois do início da crise internacional, favoreceu pelo menos a multiplicação de acordos parciais de comércio, entre países e entre blocos. Além de passar longe de grandes problemas, esses acertos tendem a converter o sistema de regras em uma enorme colcha de retalhos, como advertiu muitas vezes o antecessor de Azevêdo, o francês Pascal Lamy. Eles têm razão, mas a solução menos perfeita pode também ter alguma utilidade e intensificar o comércio.O governo brasileiro ficou à margem desse jogo, por ter apostado tudo na Rodada Doha e também pelas suas fantasias terceiro-mundistas. Preso a uma união aduaneira fracassada, o Mercosul, o Brasil só entrou em negociações de importância muito limitada, enquanto o resto do mundo buscava - e concluía - pactos comerciais muito mais ambiciosos.