Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Por um fio

Se o governo mostrar o custo dos privilégios, a pelegada vai ver o que é manifestação de massa

Atualização:

A era das manifestações sem povo e contra o povo vai chegando melancolicamente ao fim.

Só em Brasília, onde o “marajalato” ameaçado de desmame não tem contra quem impor-se à força, foram dispensadas as barricadas que, no resto do País, ilustraram com perfeição a nossa “luta de classes” pré-Queda do Muro: “contribuídos” x contribuintes, aposentados integrais x aposentados pela metade, barrantes x barrados, “sindicalistas” x trabalhadores. Foi uma desolação a tal “greve geral”. O dinheiro do imposto sindical ainda compra sindicalistas, mas, definitivamente, não compra mais a massa dos compulsoriamente “sindicalizados”.

É uma situação única na História essa nossa. A “jabuticaba” das “jabuticabas”. Um lado ainda tenta, mas já não cola. O outro lado só não cola porque não tenta.

Até o Congresso Nacional, que abriga os mais sensíveis narizes da raça às mais leves oscilações do vento, registrou oficialmente “a virada” nas votações da noite de 27/4. Falta ainda a confirmação por três votações do Senado e da Câmara neste país em que nem o passado é estável, é verdade, mas a “virada moral”, a rendição argumentativa, já foi votada e assinada. É um golpe de morte na essência da “privilegiatura” a queda do foro especial para 35 mil dos “pares da corte” pouco mais de um ano depois de ter sido o nosso “rei” oficialmente declarado submetido “a deus”, significando a prevalência dos fatos sobre as suas olímpicas “narrativas”, e “à lei” pela Operação Lava Jato e pelo STF. Isso e mais uma reforma trabalhista que avançou muito além do cosmético de sempre e, ainda, o “desdentamento” da Lei de Abuso de Autoridade literalmente imposto pela opinião pública à “cafajestocracia” que começa a ingressar no território do passado, definitivamente não são pouca coisa para um país indigente de comemorações como este andava.

A alegoria reacionária encenada no plenário pelos beneficiários diretos do “peleguismo” e do “trabalhismo” achacador afastados das tetas quase centenárias não deixou dúvida quanto à certeza deles próprios de estarem sendo empurrados para fora da História do Brasil. Foi a primeira brecha no dique do “amestramento” pelo Estado das instâncias básicas de representação da sociedade, que, começando com o “imposto sindical” de Getúlio Vargas, “petrificou-se” com o Fundo Partidário da Constituição de 88 e chegou ao paroxismo com o “financiamento público” de Organizações Não Governamentais Organizadas pelo Governo do “lulismo”, que fechou o País à “democracia representativa”, fez explodir a corrupção e pôs o trabalho em via de extinção em todo o território nacional.

Não existe força no mundo que possa constranger uma Câmara dos Deputados, um Senado da República e um Supremo Tribunal Federal com o retrospecto e o “pedigree” dos nossos a fazerem o que o povo realmente não quisesse que eles fizessem só porque assim lhes tivesse determinado um governo provisório desprovido de qualquer sombra de charme e sem a chancela das urnas, como nos querem fazer crer alguns dos mais notórios falsários do “horário gratuito”. Por mais que soneguem à massa as informações que realmente importam, o repúdio ao “marajalato” está posto. Só falta quem, no governo ou fora dele, nos três ou no quarto Poder, se disponha a “puxar a fila” indicando ao Brasil um caminho prático que lhe permita dar o chacoalhão que o País está louco para dar na árvore da qual pende essa fruta podre. O inimigo já reconhece na pessoa de Temer, aliás, a mão que quer arrancá-lo da teta. É a única glória do presidente interino e ele já está pagando o preço de tê-la. Mas o outro lado das barricadas não o enxerga como o instrumento da “virada”, muito mais que por seu passado, por este presente no qual ele hesita em se lhe oferecer como tal.

A “falha de comunicação” do governo está em dirigir-se à “2.ª classe”, que não recusa, ainda que não aplauda, as reformas que sabe necessárias, para repetir-lhe o que ela já está doloridíssima de saber: que se elas não forem feitas o futuro é o presente: viramos todos um imenso Rio de Janeiro. Como também não é absolutamente o caso de “explicar” à “privilegiatura” como ela está matando o Brasil – porque ela sabe exatamente o peso que tem neste desastre, conforme fica diariamente demonstrado pelo fato de seus próceres não perderem tempo argumentando suas “razões”, tratam somente de criar miragens para desviar a atenção dos fatos –, o que o governo tem de fazer é expor à minúcia o que eles tentam esconder, qual seja, a relação direta de causa e efeito entre esses privilégios e a miséria que custa sustentá-los.

Se exibir exaustivamente o gráfico e os personagens arquetípicos da “distribuição da renda” no universo da Previdência comparando a 1.ª com a 2.ª classe e, dentro da 1.ª classe, os “barnabés” com os “marajás”, o “sistema” já cai de podre. Mas se, junto com isso, mostrar, com os respectivos custos, os jatinhos e os carros de luxo ao lado dos trens de subúrbio; as mordomias ao lado dos barracos; as escolas na Inglaterra pagas aos filhos dos “marajás” pelos pais das escolas das balas perdidas; os “auxílios” mil isentos com o imposto sem correção sobre os salários quase mínimos; os planos de saúde eternos ao lado dos “hospitais” do horror; se expuser tudo isso ao lado das falcatruas em série do tipo “bolsa pesca” em Brasília; os milhões de Benefícios de Progressão Continuada pagos a gente na flor da idade dispensada de exame médico; os 9 milhões de aposentadorias do setor rural quando só há 6 milhões de pessoas em idade de se aposentar no campo, segundo o censo nacional; se o “dream team” mostrar, enfim, na ponta do lápis, que diferença tudo isso faria descontado do sacrifício extra que está pedindo aos aposentados de R$ 1.600, aí, sim, a “pelegada” toda ia ficar sabendo o que é uma MANIFESTAÇÃO DE MASSA e não demorava nem cinco minutos para que uma verdadeira reforma do Brasil, com a da Previdência dentro, fosse aprovada por unanimidade no Congresso Nacional.

*Jornalista, escreve em www.vespeiro.com