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Opinião|Por uma Constituinte independente

Que possa sanear o Estado brasileiro dos malfeitores que o dominam

Atualização:

A esta altura do governo Temer já se consegue entender um pouco de seu perfil político e seus propósitos, realizações, projetos e mazelas. 

Em primeiro lugar deve ser lembrado que passamos brilhantemente pelo teste das instituições, que foram preservadas inteiramente na passagem do malfadado desgoverno populista bolivariano para um governo das leis. O petismo, na sua confusão entre Estado e partido, propugnava a hegemonia “dos ómi”, ou melhor, do seu líder mitológico, o que acabou esbarrando nas firmes estruturas constitucionais. 

Foi o que ocorreu, auspiciosamente, no conturbado ano político de 2016. Com a saída de Dilma, restaurou-se, prontamente, o governo das leis, no sentido aristotélico, de serem elas editadas e cumpridas sem paixões, visando o bem comum, agora com o viés de implantar as reformas de Estado, fundamentais para a sobrevivência da Nação.

Tínhamos no período populista Lula-Dilma a política como relação amigo/inimigo, nas figuras negativas do “nós e eles” e da “herança maldita”, e proativas do “governo de coalizão”, que, ao distribuir milhares de cargos de confiança entre os políticos alinhados, levou à derrocada dos serviços públicos e à pandemia da corrupção. 

Isto posto, o regime das leis, restaurado na gestão Temer, tem-se apresentado com um viés transcendente, na medida em que a ação se volta, fundamentalmente, para as políticas de Estado, e não apenas para as providências conjunturais de seu curto governo. E essa política de Estado, representada por três medidas – PECs do Teto, da Previdência e trabalhista –, está atrelada ao atual Congresso, a quem cabe aprová-las ainda neste semestre, sem deformações e descaracterizações.

Nesse passo, a população pergunta: como é que fica a questão fundamental da moralidade pública nessa relação Executivo-Legislativo, visando a aprovar esses três projetos fundamentais? E as demais reformas de Estado essenciais que devem ser feitas desde logo? Podemos contar com o Congresso para implementá-las, na medida em que todas elas vão contrariar os interesses e os graves vícios dos atuais parlamentares e seus partidos?

Fica evidente, desde o primeiro dia de seu governo, que Temer adotou a denominada “ética da responsabilidade”, na clássica classificação weberiana, pela qual os governantes, agem tendo em vista os resultados das suas ações . Trata-se da “ética dos resultados”, que não leva em conta a coerência do agir com a pureza da intenção, típica da “ ética da convicção”. E como lembra Bobbio, “a ética da responsabilidade é a moral pela qual devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance para realizar o fim que nos propusemos, pois sabemos, desde o início, que seremos julgados com base no sucesso” (Política e Moral). 

Essa é claramente a conduta de Michel Temer, na medida em que os congressistas continuam loteando, em cenas diárias de fisiologismo explícito, todos os famigerados cargos de confiança, que sempre serviram para regar os seus bolsos com as sórdidas propinas fornecidas pelas nossas empreiteiras e pelos compradores de medidas provisórias, de leis e de comissões de inquérito. E essas mesmas empreiteiras, embora muito baleadas pela perda de reputação, estão de volta ao seio generoso do Estado, dado que firmaram “acordos de leniência” – palavra que vem de lenocinium, ou seja, o ato criminoso de favorecer ou facilitar a corrupção das pessoas – que lhes permitem novamente contratar com o a União, os Estados e municípios, tanto obras como concessões. Podem, ainda, obter financiamentos dos organismos públicos, tudo como dantes. Ou seja, está remontada, sem retoques, a estrutura de corrupção envolvendo os políticos, as empresas e os agentes privados que se apropriam dos recursos e das leis do Estado para benefício próprio. 

A nova Lei Geral das Telecomunicações, aprovada na calada da noite no Senado do Renan Calheiros, que beneficia a falida OI com R$ 65 bilhões, mostra a desfaçatez do esquema de corrupção que prossegue no Congresso (José Nêumanne no Estado[/BOLD] de 8/2). Não bastasse, tivemos agora o regime de urgência na Câmara para anistiar os partidos políticos que não prestam contas ou as têm rejeitadas pela Justiça Eleitoral. Trata-se da autoanistia dos crimes eleitorais. No setor das empreiteiras, os quadros de diretores corruptos abatidos pela Lava Jato estão sendo substituídos por novos voluntários da pátria. Basta de contas na Suíça e no Caribe. Doravante, por que não utilizar a Malásia, a Índia, as Filipinas? <CW-20>Por tudo isso, é fundamental o prosseguimento da reforma do Estado, além das três medidas do Temer. Impõe-se uma profunda reforma política que nos livre dessa gangue que domina o Congresso Nacional. Deve ser restaurado o voto proporcional ao eleitorado de cada Estado, a não cumulação de votos de legenda e instituído o voto distrital. É preciso eliminar os odiosos privilégios da casta burocrática ante o regime celetista da população, que transformou a burocracia num obstáculo perverso ao exercício da cidadania e à prestação dos serviços públicos. Devem ser totalmente eliminados os milhares de cargos de confiança. Não pode continuar o odioso foro privilegiado para os bandidos no poder. É indispensável a reforma eleitoral, acabando com os ilusionismos do marketing e o indecente financiamento público dos partidos. Que os partidos vivam da contribuição de seus filiados.  <CW-25>Impõe-se, por isso mesmo, a convocação de uma Constituinte independente que possa sanear o Estado brasileiro dos malfeitores que o dominam, num sistema partidário cuja função é distribuir cargos no Executivo, com a finalidade de dilapidar os recursos públicos em esquemas eternos de corrupção. Nesse aspecto nada mudou. Os vícios estruturais continuam os mesmos e os atores políticos, também. Impõe-se uma consulta ao eleitorado, ainda este ano, visando essa reforma profunda do sistema de representação e de participação da cidadania, restaurando um efetivo regime de consentimento, próprio de um país realmente democrático. 

* ADVOGADO