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Opinião|Pouca água para muita gente

A população mundial cresce e as questões climáticas se agravam, é preciso ter pressa

Atualização:

Promete discussões acaloradas – e certamente interessantes – o Fórum Mundial da Água, que começa no próximo dia 18 em Brasília e é organizado a cada três anos pelo Conselho Mundial da Água e pelo país anfitrião. Desse órgão mundial participam 400 instituições em 70 países, reunindo governos, universidades, sociedade civil, empresas e ONGs. Para esta próxima discussão já se preveem temas complexos e polêmicos como transposição de bacias, reúso da água na indústria e na agricultura, regras para divisão entre países, financiamento, legislação e muitos outros.

Este ano, por exemplo, um dos temas mais polêmicos será apresentado pelo Brasil, com a proposta, nascida no Conselho Nacional do Ministério Público e na Procuradoria-Geral do Ministério Público, de inscrever o acesso à água na legislação como direito humano – incluindo a proteção contra a poluição, as condições de consumo. E ainda não ficará inscrita a inclusão da água como direito humano (CNMP, dezembro 2017) – embora em muitos lugares a água defina as relações de poder em determinado território.

Também no fórum será discutida a Carta dos bispos do Velho Chico, em que os prelados dessa região, representando 11 das 16 dioceses – “diante do processo de morte em que esse rio se encontra e das consequências que isso representa para a população que dele depende” –, assumem de forma colegiada a defesa do Rio São Francisco, “de seus afluentes e do povo que habita sua bacia”. Nesse documento, denunciam o sumiço de “inúmeras nascentes e pequenos afluentes”; o aumento da água para irrigação, indústria, consumo humano e outros usos econômicos”; a destruição de matas ciliares; o aumento dos conflitos na disputa pela água; “empresas que sempre fazem prevalecer seus interesses e o Estado que acaba por ser o legitimador de um modelo predatório de desenvolvimento”.

O documento propõe, por isso, convocar a população para reforçar as iniciativas populares de recomposição florestal, recuperação de nascentes, revitalização de afluentes, reforçar a ética da responsabilidade ambiental e o modo sustentável de convivência com a Caatinga, o Cerrado e a Mata Atlântica, assim como defender políticas públicas para implementação do saneamento básico e apoio à agricultura familiar, entre vários outros objetivos. Por isso tudo, propõem “uma moratória para o Cerrado por dez anos, para a Caatinga e a Mata Atlântico, biomas que alimentam o Rio São Francisco e dele também se alimentam”.

A prioridade absoluta para a defesa dos recursos hídricos não é pauta prioritária só em discursos no Brasil. Na Índia e na África do Sul, autores que tratam do tema ressaltam que não se trata apenas dos temas habituais de mudanças extremas do clima, colheitas perdidas, vidas abortadas; trata-se também de gravíssimos problemas para a vida urbana, o desenvolvimento industrial e o enfrentamento da pobreza.

Mais de 80% da eletricidade na Índia vem de geradoras térmicas, queima de carvão, gás e combustível nuclear, 90% das usinas de energia térmica são resfriadas por água corrente e 40% dessa água já enfrenta situação muito preocupante. E os governos continuam prometendo que todas as casas terão eletricidade em 2019. O consumo de água deverá multiplicar-se por sete até 2030.

Para esse ano, são apocalípticas as previsões para Cape Town, na África do Sul, uma das maiores cidades do mundo. Na Província de Western , a escassez quase total de energia obrigará a limitar a 87 litros por dia por pessoa o consumo de água bombeada. Mas poderá baixar para 25 litros. E os dramas do clima continuam a crescer assustadoramente, numa estiagem que já dura três anos (Folha de S.Paulo, 3/2)- a pior em um século. A cidade corre para pôr em funcionamento estações dessalinizadoras de água do mar.

Enquanto isso, a cidade de Paris anunciou que, seguindo o exemplo de Nova York e outras cidades norte-americanas, estuda a possibilidade de processar empresas de combustíveis fósseis, por causarem danos ao clima (350 org., 6/2). Também fazem parte do lobby no Grupo de Liderança Climática das Cidades para que Paris, Londres e outras cidades assumam o compromisso de retirar investimentos de empresas de combustíveis fósseis. Sydney e a Cidade do Cabo, além de Berlim, Oslo, Copenhague e Estocolmo já se comprometeram a proibir investimentos públicos em combustíveis fósseis. O Chile anunciou compromissos de eliminar a energia a carvão no país. No Brasil, na cidade de Peruíbe (SP), a pressão popular barrou a construção de uma megausina termoelétrica. Iniciada em 2012, a campanha para reduzir a licença a empresas consideradas mais responsáveis pela crise climática tem levado a baixar rapidamente esses empreendimentos. Em Nova York o prefeito Bill de Blasio anunciou que retirará seus fundos de pensão de US$ 191 bilhões de projetos ligados a combustíveis fósseis.

Pode parecer a muitas pessoas que as campanhas nessas áreas são descabidas. Mas basta lembrar que 1 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso a água potável, segundo relatório do Conselho Mundial da Água (Instituto Humanitas Unisinos, 23/1/18): na Ásia são 554 milhões; na África Subsaariana, 319 milhões; na América do Sul, 50 milhões. O consumo de água por pessoa nos países ricos é de 425 litros por dia; nos países pobres, 10 litros. São necessárias de uma a três toneladas de água para produzir um quilo de cereal; até 15 toneladas para um quilo de carne; para produzir as refeições necessárias em um dia para uma pessoa são necessários entre 2 mil e 5 mil litros de água.

Com a população mundial em crescimento e com as questões climáticas se agravando, todos esses números continuarão crescendo rapidamente. É preciso ter pressa para enfrentar essas questões.

*Jornalista e-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Opinião por Washington Novaes