Deflagrada há três meses por alunos, funcionários e um grupo de professores para protestar contra cortes orçamentários no ensino superior, a greve da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) dá a medida da desorganização que vai tomando conta de certos setores da administração pública – a ponto de permitir que entidades sindicais assumam funções que, por lei, são prerrogativa de órgãos colegiados.
A erosão da ordem institucional na UFRJ – cujo reitor assumiu o cargo em julho, com forte apoio de movimentos sociais e grupelhos de esquerda radical – chegou ao ápice há duas semanas, quando 25 professores eméritos da instituição enviaram uma carta de protesto ao Ministério da Educação (MEC). Eles denunciaram “a transformação de instâncias sindicais em canais de tramitação de procedimentos acadêmicos” e a usurpação de atribuições funcionais da Reitoria por comandos de greve e “comissões de ética” criadas por grevistas. E pediram ao MEC providências urgentes para a regularização das atividades acadêmicas.
No ofício, eles apontaram ainda dois episódios reveladores da quebra de hierarquia na UFRJ. O primeiro começou quando a Congregação da Faculdade de Medicina decidiu retomar as aulas e pediu a manifestação do Conselho Universitário – o órgão colegiado máximo da instituição. A Reitoria recusou-se a apreciar o pedido e sugeriu que, dada a “excepcionalidade” do momento, ele deveria ser encaminhado ao Comando Local de Greve. A justificativa foi de que, enquanto as aulas estiverem suspensas, as assembleias-gerais prevalecem sobre conselhos departamentais, congregações e o Conselho Universitário. Em nota, o Comando Local de Greve informou que, “durante a greve, os trabalhadores deixam de se submeter às chefias e outras instâncias para só acatarem deliberações da assembleia”.
O segundo episódio foi o pedido de afastamento encaminhado por um professor para participar de evento científico no exterior. O pedido seguiu as etapas iniciais de apreciação, mas, antes de ser finalmente encaminhado aos órgãos centrais da instituição, foi – com apoio do reitor Roberto Leher – analisado, julgado e rejeitado pelo Comando Local de Greve e por uma Comissão de Ética. Vinculadas ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ, essas entidades alegaram que a viagem não seria uma “atividade essencial”. Segundo os professores eméritos, vários outros pedidos semelhantes estariam sendo submetidos pelo reitor à apreciação dos grevistas, numa flagrante afronta ao estatuto da universidade.
“Na prática, isso representa uma usurpação, aparentemente consentida, da autoridade da Reitoria. A avaliação de questões acadêmicas por instâncias de caráter sindical inverte a prática universal em instituições de ensino e pesquisa do julgamento pelos pares, inviabiliza a convivência universitária sadia e prejudica gravemente a reputação da Universidade”, afirmaram os autores da carta ao ministro. “O reitor tem ligação com o setor sindical. Foi sempre militante. Encoraja a greve ou, pelo menos, facilita”, diz José Murilo de Carvalho, professor emérito de História e membro da Academia Brasileira de Letras.
Enquanto os grevistas classificaram os signatários da carta de protesto como “golpistas” e simpatizantes da privatização do ensino superior, o reitor Roberto Leher queixou-se de que os eméritos não o procuraram para dialogar.
Também alegou que, ao pedir providências ao MEC, eles teriam desrespeitado o princípio da autonomia universitária. Por fim, disse que não “afrontará o direito de greve” nem tomará “atitudes autoritárias” contra os grevistas. Ou seja, deixou claro que não fará nada, permitindo assim que a UFRJ seja dirigida por órgãos paralelos.
Por substituir as estruturas de representação do regime democrático por uma democracia assembleística, a erosão da ordem institucional na UFRJ é um precedente perigoso. Ela coloca uma das mais importantes universidades públicas do País na antessala do bolivarianismo.