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Prêmio à superlotação

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Por Redação
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O atual governo municipal prometeu tratar com o devido cuidado – dada a importância do problema e o alto custo do negócio, de R$ 140 bilhões – a licitação para a escolha das novas empresas que vão explorar o serviço de ônibus da capital paulista nos próximos anos. Mandou mesmo fazer, acertadamente, por empresa reputada, uma auditoria sobre a situação atual, que trouxe preciosas informações. Era de esperar, portanto, que as condições a serem estabelecidas para os novos contratos atendessem ao velho anseio de uma efetiva melhora desse serviço, que afeta a vida diária dos paulistanos.

Infelizmente, essa expectativa está sendo frustrada à medida que os especialistas na questão se debruçam sobre itens relevantes do volumoso e tecnicamente complexo edital da licitação, de mais de mil páginas. Alguns deles são de fácil compreensão até para os leigos, porque dizem respeito a questões que afetam diretamente seu sofrido cotidiano de ida e volta do trabalho, da escola e das compras.

É o caso do “índice de produtividade” adotado para, se atingido, aumentar o ganho das empresas. Isso ocorrerá quando a Prefeitura detectar, na operação das linhas, a presença de mais passageiros do que os veículos deveriam receber, de acordo com os estudos de demanda feitos pela São Paulo Transportes (SPTrans), que gerencia o sistema. Em outras palavras, sairá ganhando quem conseguir colocar mais passageiros nos ônibus, ou, se se preferir, prepara-se um tipo de prêmio para a superlotação.

Como mostrou reportagem do Estado, o edital considera produtividade “a redução de custo por passageiro”. O ônibus tem custo fixo para rodar e, portanto, quanto mais gente transporta, melhor é o seu desempenho. A tentativa do secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, de justificar essa estranha – para dizer o mínimo – forma de produtividade não convence. Diz ele que o pagamento extra pelos ônibus mais cheios só ocorrerá se forem cumpridas outras obrigações, tais como o respeito às partidas fixadas. A existência de outras exigências não elimina o peso do tal critério de produtividade.

Um estudioso da questão, Mauro Zilbovicius, professor da Escola Politécnica da USP, está coberto de razão quando critica o que pretende a Prefeitura: “Isso pode estimular as empresas a lotarem os veículos, e não adotar outros elementos que podem trazer ganhos de produtividade, como melhor treinamento de operadores e otimização de peças e combustíveis”. A seu ver, o conceito de produtividade deve estar relacionado não ao transporte de mais gente por veículos, mas sim a rodar mais quilômetros – aumentando dessa forma a oferta de viagens – com o mesmo custo.

A produtividade inventada pela Prefeitura não passa de um desrespeito aos milhões de paulistanos que não têm outra opção para seus deslocamentos além do péssimo serviço de ônibus. Aproveitar a licitação para a escolha dos novos concessionários não para eliminar ou pelo menos amenizar uma de suas mais graves falhas – a superlotação –, como todos esperavam, mas para, ao contrário, incentivá-la e, ainda por cima, premiá-la é um acinte, quase uma bofetada nos usuários.

Não é esse o único ponto da licitação que pode acarretar sérios problemas. Um outro, para o qual vários especialistas, entre eles novamente o professor Zilbovicius, chamam a atenção é o longo prazo dos contratos, de 20 anos, renováveis por igual período. E a um custo de R$ 7 bilhões por ano. Advertem eles que as mudanças pelas quais a cidade passará nesse período não recomendam aprisionar um serviço como esse em regras como as projetadas. E a alegação de que os contratos preveem reavaliações não é realista, à vista do histórico da relação das empresas do setor com a Prefeitura. Segundo Zilbovicius, “teremos um oligopólio prejudicando até mesmo a inserção de inovações tecnológicas no sistema”.

Nesse ponto, tal como no da produtividade, só as empresas saem ganhando.