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Previdência impede o ajuste

O déficit previdenciário, de R$ 52 bilhões, superou com folga o resultado positivo de R$ 49,53 bilhões acumulado pelo Tesouro

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Por Redação
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Graças a um forte aperto de cinto e a alguns ventos favoráveis, o setor público brasileiro, formado por União, Estados, municípios e estatais, conseguiu um superávit primário de R$ 15,11 bilhões de janeiro a abril. Foi um resultado bem melhor que o de um ano antes, quando o saldo primário, isto é, calculado sem a conta de juros, ficou em R$ 4,41 bilhões. Foi um avanço apreciável, mas nem por isso há grandes motivos para festejar ou simplesmente relaxar. O conserto das contas oficiais continua sendo um enorme desafio. Um dos principais objetivos do governo, conter o endividamento oficial, permanece distante. Para alcançá-lo será preciso gerar superávits primários em volume suficiente para cobrir a conta de juros e, se possível, amortizar parte do principal. Para isso será preciso ultrapassar vários obstáculos. O mais importante, por sua dimensão e por sua tendência a avolumar-se, é o desarranjado sistema previdenciário. Sem reformá-lo será impossível pôr em ordem as finanças governamentais.

Pelas contas do Banco Central (BC), o superávit primário de R$ 15,11 bilhões no quadrimestre ocorreu graças aos governos estaduais e municipais e apesar do déficit de R$ 2,71 bilhões acumulado pelo governo central, formado por Tesouro, BC e Previdência. O déficit previdenciário, de R$ 52 bilhões, superou com folga o resultado positivo de R$ 49,53 bilhões acumulado pelo Tesouro. O BC, de acordo com esse relatório, teve um pequeno saldo negativo de R$ 244 milhões.

Para calcular as contas públicas, técnicos do BC consideram as necessidades de financiamento. O resultado, portanto, pode divergir daquele apresentado no relatório mensal dos técnicos do Tesouro. Os saldos são obtidos, neste caso, pela simples diferença entre receitas e despesas de custeio e de investimento.

Com esses dados é mais fácil mostrar a evolução das finanças do governo central e o descompasso entre os dois principais componentes. De janeiro a abril a receita total (R$ 460,53 bilhões) foi 1,9% menor que a de um ano antes, descontada a inflação. Subtraídas as transferências, sobrou uma receita líquida de R$ 383,62 bilhões, 3,6% inferior à de janeiro a abril de 2016, também com valores ajustados pela inflação. A despesa total, de R$ 389,27 bilhões, diminuiu 4,3%. O aperto do gasto mais que compensou, portanto, a perda de arrecadação. Os cortes mais notáveis ocorreram nas despesas discricionárias (investimentos e parte do custeio) e nos gastos com pessoal e encargos sociais.

A arrecadação continuou refletindo o baixo nível de atividade, especialmente do consumo, porque a economia apenas começou a sair da prolongada e funda recessão. A receita de abril, de R$ 118,05 bilhões, foi 2,27% maior que a de um ano antes. Mas a soma foi reforçada pelo ingresso de R$ 5,58 bilhões de royalties de petróleo. A alta dos preços internacionais contribuiu para esse resultado. Foi um ganho independente da conjuntura interna e das mudanças na área fiscal.

De acordo com esse relatório, o governo central fechou as contas do quadrimestre com déficit primário de R$ 5,64 bilhões. O esforço de ajuste está refletido no resultado do Tesouro, um superávit primário de R$ 46,60 bilhões. Esse esforço foi mais que anulado pelo déficit da Previdência, de R$ 52 bilhões. O saldo do Tesouro até abril foi 50,8% melhor que o de um ano antes, descontada a inflação, enquanto o do Regime Geral da Previdência foi 32,5% pior.

Não basta, pois, fixar um teto para as despesas. Esse teto em sendo respeitado, mas o desarranjo crescente das contas previdenciárias tende a anular, ou mais que anular, esse esforço. Em abril, o saldo positivo do Tesouro cobriu o déficit da Previdência, mas o quadro no acumulado do ano é muito diferente e assim tenderá a ser até o fim de 2017 e nos anos seguintes. Além de destruir os efeitos do teto e de quaisquer outras medidas de disciplina, a Previdência tenderá a consumir toda a arrecadação, impossibilitando a operação do governo. Não pode haver discussão séria do assunto se esses fatos forem ignorados. Não se briga impunemente com a aritmética.