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Opinião|Previdência, uma reforma imprescindível

Sem aniquilar as raízes da atual crise fiscal será inimaginável o futuro da sociedade brasileira

Atualização:

O Brasil vive nesta década uma crise sem precedentes na sua História: fiscal, patrimonial e política. Ela turva a visão do mais hábil futurólogo da era moderna quanto às perspectivas do País. Que o Brasil poderá ser uma nação desenvolvida, disso ninguém duvida. A questão é como e quando.

Uma coisa é certa: sem aniquilar as raízes da atual crise fiscal será inimaginável o futuro da sociedade. O importante é que no âmbito do governo federal já se equacionou como extirpar as causas da imprevisibilidade do crescimento, que é realizar a reforma da Previdência.

O substitutivo da reforma da Previdência proposto pela Comissão Especial da Câmara tem o objetivo de eliminar privilégios de alguns setores públicos, pautando pela justiça social. Caso as propostas da comissão não sejam aprovadas, isso impedirá a medida rigorosa do teto dos gastos fiscais. E os gastos constitucionais com educação e saúde serão cobertos por dois desastrosos instrumentos da política econômica: aumento da dívida pública federal e elevação de impostos sobre a renda dos trabalhadores e o lucro do setor privado.

O Brasil tem despesas previdenciárias absolutamente incompatíveis com sua estrutura demográfica. A população brasileira está vivendo mais. Os informes mais recentes do IBGE relatam que a expectativa de vida do brasileiro atingiu 72,2 anos em 2016. É uma boa notícia, mas traz dificuldades para os aposentados, pois os déficits da Previdência são crescentes.

Dados do Banco Mundial sobre aposentadorias, pensões por morte e benefícios não contributivos pagos a idosos revelam que nenhum país do mundo em situação demográfica semelhante à nossa tem despesas similares às observadas no Brasil. O ritmo de envelhecimento da população brasileira é equivalente ao de uma nação desenvolvida, embora o País não o seja. Em 20 anos o Brasil deverá envelhecer o que a Europa demorou 50 anos. A despesa com Previdência já chegou a 13% do PIB. A Europa demorou cerca de 50 anos para passar do patamar de 10% para 20% da população idosa. O Brasil deve alcançar esse nível em 20 anos.

Em 2016 a soma de RGPS, RPPS e BPC/LOAS representava 53,7% das despesas primárias. Caso a reforma não seja feita, essas despesas atingirão 80% em 2026, restando muito pouco para educação, Bolsa Família, saúde, assistência social e segurança pública e praticamente nada para investimentos públicos em infraestrutura. Se chegarmos a essa situação, a função do Estado de manter políticas de natureza social só será possível revendo direitos adquiridos dos aposentados do serviço público e do setor privado. Nenhum país assiste à sua desconstrução econômica e social simplesmente para manter direitos adquiridos. Assim se fez, recentemente, o ajuste fiscal das contas públicas em Portugal e na Grécia.

Os fatos são desconcertantes. Alguns servidores públicos se aposentam com um rendimento médio de R$ 28 mil mensais, enquanto os trabalhadores do setor privado o fazem, em média, com R$ 1,2 mil.

As regras da Comissão Especial da Câmara estabelecem que para os servidores que entraram no setor público antes de 2003 sejam mantidas a paridade e a integralidade dos regimes próprios, desde que os homens se aposentem aos 65 anos de idade e as mulheres aos 62 anos. Para os que entraram após a instituição da previdência complementar, valerá a nova regra: aposentar-se-ão com o limite do teto do Regime Geral, hoje em R$ 5.531,31, e poderão adicionar a esse valor o que for possível por meio da previdência complementar. A idade mínima permanece 65-62. Trata-se de um estímulo a poupar tanto dos servidores públicos como dos trabalhadores do setor privado. Em 2016 os recursos em fundos de aposentadoria como proporção do PIB ainda eram muito baixos no Brasil, em torno de 12% do PIB, enquanto nos países da OCDE é comum ultrapassarem os 50%.

O substitutivo da Comissão Especial alterou a regra de transição, eliminando o corte de 50/45 anos e abrindo a possibilidade de pedágio de 30% sobre o que faltar para os 35/30 anos de contribuição. Um homem com 54 anos de idade a quem faltassem cinco anos de contribuição para se aposentar teria de contribuir, com a aprovação da reforma, mais 6,5 anos. Foi estabelecida uma idade mínima progressiva, que começaria em 55 anos para homens e 53 anos para mulheres, subindo de forma gradual, um ano a cada dois anos, até a idade de 65 anos para homens e 62 para mulheres, com 15 anos de contribuição para a população urbana. Essa transição se fará em 20 anos.

Para a população rural, a idade mínima de aposentadoria será de 60 anos para os homens e 57 para as mulheres, com contribuição individualizada. Essa população continuará com baixa contribuição à Previdência e é importante lembrar que o déficit dessa conta previdenciária atingiu R$ 104 bilhões, em 2016. Os programas assistenciais BPC/LOAS permanecem como estão, com despesas que alcançaram R$ 49 bilhões em 2016.

Em dez anos, a reforma original causaria uma poupança financeira em torno de R$ 800 bilhões. Já a proposta pela emenda aglutinativa reduz esse valor em 40%, para R$ 480 bilhões. Essa poupança será suficiente para assegurar a liquidez da Previdência por um período em torno de cinco anos. Há de se fazer um novo ajuste nas contas da Previdência Social em 2019. Sendo assim, nada nos resta que apostar no futuro, sem a certeza de que o próximo governante terá o apoio político necessário dos congressistas para levar adiante essa importante reforma. O governo pode ser um viabilizador ou um impedidor na criação de um ambiente macroeconômico favorável ao crescimento.

Em quase meio século, vários governos tentaram fazer as reformas que estão sendo debatidas e realizadas. O governo de Michel Temer e sua equipe assumem a responsabilidade de realizá-las. Elas assegurarão o ambiente desejado e estimularão as locomotivas do crescimento acelerado, os investimentos.

A reforma da Previdência é uma questão de Estado, não de governo.

* ERNESTO LOZARDO É PRESIDENTE DO IPEA