Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Primeiros passos positivos

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

O relógio na parede do gabinete da presidente Dilma Rousseff marcava 11h21 quando ela abraçou o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad, congratulando-se com ele pelo triunfo da véspera, o domingo do segundo turno. A hora matinal indica que o ex-ministro não repousou sobre os louros da vitória, como se dizia antigamente, mas tratou de iniciar desde cedo a construção do mandato que receberá em janeiro. O júbilo compartilhado diante das lentes da imprensa foi apenas a face simbólica do enlace que Haddad pretende acertar com o governo federal, de que depende a capacidade de sua gestão de levar adiante os programas do candidato. Trata-se, evidentemente, da renegociação da dívida do Município com a União.São Paulo, a mais atolada das metrópoles brasileiras, deve R$ 58 bilhões ao erário. A amortização do débito consome 13% de sua receita líquida anual. Ainda assim, o estoque da dívida praticamente dobrou do ano 2000 para cá - e a Prefeitura está proibida de obter novos financiamentos porque o seu endividamento, da ordem de 200% da arrecadação, já passou dos limites fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A prefeita Marta Suplicy teve a oportunidade de conter essa tendência, abatendo uma parcela expressiva do principal, mediante a venda à União de propriedades supérfluas. Mas, acreditando que o então presidente Lula tiraria as finanças municipais do sufoco, removendo por uma anistia parte das contas espetadas, recusou-se a fazer a coisa óbvia.O ainda prefeito Gilberto Kassab defende a mudança do índice de correção da dívida. Com a eleição de Haddad, o governo federal parece inclinado a fazê-lo. Em vez do equivalente à variação do IGP no período, mais 9% ao ano - ou 3 pontos porcentuais acima do patamar adotado para todos os demais municípios -, a amortização passaria a ser calculada com base na variação da Selic, a taxa básica de juros, fixada em 7,25%. O economista Haddad há de saber, no entanto, que a renegociação da dívida não pode se limitar à substituição de um indicador por outro. Dado que, com o passar do tempo, eles tendem a convergir, seria trocar seis por meia dúzia. O seu primeiro desafio, portanto, é encontrar com o Planalto seu aliado uma solução criativa para conter o estoque da dívida, respeitando a LRF.O desafio se torna tanto mais premente quanto mais ele avançar na reforma urbana - cujos fundamentos pretende ver aprovados já no primeiro ano do mandato, sob a forma de um pacote de projetos de mudanças na legislação tributária, Plano Diretor e Código de Obras. Ele mostra tino político ao usar os votos recebidos, enquanto ainda estão quentes, para assegurar o apoio da Câmara dos Vereadores às propostas de caráter estrutural que configuram a sua ousada meta do Arco do Futuro, o deslocamento gradativo do eixo econômico da cidade, do centro para os bairros e a periferia. Ao lado disso, Haddad deverá enviar, "já nos primeiros 100 dias", os projetos do Bilhete Único Mensal, para baratear as viagens de ônibus, e do fim da taxa de inspeção veicular, como prometeu insistentemente ao longo da campanha. Ele acredita que as propostas passarão sem dificuldades, "no máximo em um ano". É também animadora a iniciativa do futuro prefeito de se entender com o governador tucano Geraldo Alckmin. É uma atitude sensata - afinal, o Palácio dos Bandeirantes fica mais perto em todos os sentidos do Edifício Matarazzo do que o Palácio do Planalto. Os dois tiveram um encontro promissor já na terça-feira. Além de lembrar a "relação republicana" que manteve com Alckmin quando ministro da Educação, Haddad anunciou que irá "dar continuidade e aprofundar" as parcerias firmadas nas gestões Serra-Kassab com o Estado. O petista também aceitou de pronto a mão estendida do prefeito, ansioso por se aninhar no regaço do governo Dilma. Não seria de esperar que o calculista Kassab fosse criar problemas na transição para o sucessor a quem só não apoiou porque Serra se lançou. De todo modo, nestes primeiros dias pós-eleição, os paulistanos não ouviram, nem de vencidos nem de vencedores, alguma palavra que pudessem deplorar. A ver se o astral perdura.