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Opinião|Projeto nacional de recuperação do futebol

Atualização:

O torcedor brasileiro assiste à decadência econômica das entidades desportivas profissionais de futebol sem encontrar meios, além dos gritos nas arquibancadas, para amparar ou socorrer seus times do coração. Da mesma forma, o Estado vem tentando, de tempos em tempos, sem sucesso, criar incentivos para adoção de modelos de gestão mais em compasso com práticas de mercado e, especialmente, para socorrer e evitar a configuração de situações deficitárias irreversíveis. Essas iniciativas, porém, não trataram ou propuseram soluções para os verdadeiros problemas estruturais do modelo nacional: suas bases amadorísticas e herméticas.

Chegou a hora – aliás, já passou da hora – de projetar um modelo que se construa sobre princípios apenas aparentemente inconciliáveis: interesse público, transparência, governação e proteção do investimento privado. E o ponto de partida não será, como se tentou em momentos pretéritos, plasmados sobretudo na Lei Pelé, induzir o surgimento do chamado clube-empresa, expressão que revela uma contradição insuperável, sem que se estabeleçam as bases para formação de um mercado, de um ambiente de atuação dessas formas societárias de natureza econômica.

A natureza do clube é associativa, recreativa, e ele se presta à satisfação dos interesses de seus associados. Excedentes eventualmente apurados em um ano não podem ser distribuídos aos associados, devendo a administração, ao contrário, destiná-los aos seus fins. Essas entidades, amadoras por definição, administradas por pessoas que não recebem qualquer contrapartida pela sua dedicação administrativa, operam verdadeiras empresas econômicas, inseridas numa lógica global agressiva, que impõe a absorção de técnicas e práticas próprias das empresas econômicas. Aliás, em muitos países o caminho seguido por clubes tradicionais foi em direção à oferta pública de ações, oferecendo-se aos seus associados, inicialmente, e ao mercado em geral, num segundo momento, a possibilidade de se tornarem acionistas daquela empresa econômica. E não apenas na Inglaterra, como se costuma afirmar: Portugal, Colômbia e Chile também oferecem exemplares bem-sucedidos de ruptura com o modelo amadorístico.

No caso do Brasil, exemplos mais ou menos recentes de tentativas de modernização fracassaram porque, novamente, não se tratou da estrutura do futebol e da construção do ambiente para que esses mundos aparentemente inconciliáveis – o clube, amador; e o investidor, capitalista – se organizassem.

O recém-editado Profut também naufragará, porque surge com o propósito de solver contingências imediatas, em troca de migalhas intervencionistas na forma de gestão do clube, sem, contudo, resolver o problema estrutural. A via de direito, para desenvolvimento do futebol, continua sem pavimentação e os clubes, socorridos, continuarão a trafegar sobre obstáculos contínuos. Ao final, um ou outro se sobressairá, mas o esporte como um todo permanecerá periclitante.

Somente um projeto maior, pautado nos princípios acima anunciados, poderá reverter esse estado de coisas. E a relevância social e cultural do futebol, bem como os seus números justificam o esforço. Porque poderá contribuir para a formação de jovens, de qualquer classe social, criar um robusto mercado de trabalho, trazer divisas para o País, estabelecer um mercado de capitais especializado e pujante e aumentar a arrecadação do Estado, com o surgimento de relações atualmente não percebidas pelo fisco.

No ano de 2014 o Real Madrid, time com o maior faturamento no planeta, faturou ¤ 549,3 milhões; o Manchester United, ¤ 541,2 milhões; e o Bayern de Munique, ¤ 528,7 milhões. O primeiro time brasileiro a aparecer na lista é o Flamengo, em 40.°, com ¤ 101,4 milhões; seguido de Corinthians, em 47.°, com ¤ 67,3 milhões, e São Paulo, em 49.°, com ¤ 65,8 milhões.

Os três grandes brasileiros, que reúnem 73,4 milhões de torcedores, número superior à população da França e muito pouco inferior à da Alemanha, faturam menos do que, por exemplo, Stoke City, Benfica, Cardiff City e Ajax.

A própria CBF, que deveria ser, pelo monopólio regulatório, uma máquina de gerar receitas, faturou em 2014, ano de Copa de Mundo, R$ 519 milhões. Ou seja, a CBF e os três maiores clubes brasileiros, juntos, não valem certos clubes medianos do futebol europeu.

A reversão desse estado de coisas só se produzirá com 1) a criação de uma Comissão Nacional de Valorização, Integração e Desenvolvimento do Futebol Brasileiro, com mandato para estabelecer as bases do mercado da bola; 2) a instituição de um tipo de sociedade empresária, a sociedade anônima futebolística (SAF), para desenvolver e gerir a atividade relacionada ao futebol; 3) a criação de instrumentos, de mercado, para financiamento do futebol; 4) a criação de um segmento especial de listagem, regulado e administrado pela BM&FBovespa, o BovespaFut, para recepcionar as SAFs que se financiarão por meio dos instrumentos regulados pela CVM; 5)estímulos ao registro de ofertas públicas e de criação de fundos direcionados ao mercado do futebol; 6) a definição de critérios para participação do BNDES no financiamento de projetos, pelas SAFs, de formação de atletas e outras atividades correlatas; 7) a regulação da participação das entidades fechadas de previdência complementar no capital da SAF ou como financiadora por meio de instrumentos de dívida; 8) a definição de critérios para implementação de convênios escola-futebol, para formação de jovens cidadãos e atletas, sob o protagonismo das SAFs; 9) a instituição de incentivos para desmutualização da CBF; e 10) a construção de uma engenharia tributária que, a um só tempo, incentive a criação da SAF, estimule o surgimento do mercado de capitais da bola e aumente a arrecadação do Estado.

* RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO É ADVOGADO, DOUTOR EM DIREITO (PUC-SP), PROFESSOR DE DIREITO COMERCIAL DO MACKENZIE, FOI PRESIDENTE DO INSTITUTO DE DIREITO SOCIETÁRIO APLICADO

Opinião por RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO