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Promiscuidade e incompetência

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Por Redação
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Com suas contas já em mau estado, com risco de piora até dezembro e sem perspectiva de alcançar a meta fixada para 2014, o Tesouro poderá cometer mais uma custosa generosidade. O governo pretende renegociar, ampliando o prazo de pagamento, mais R$ 130 bilhões dos empréstimos concedidos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Outros R$ 238,2 bilhões já foram renegociados, neste ano, em condições mais brandas de liquidação. Em agosto, o banco devia ao Tesouro R$ 451,1 bilhões. O objetivo da revisão, segundo disse ao Estado uma fonte graduada, é dispensar o governo, por algum tempo, de um novo aporte de capital. Os dois lados - Tesouro e BNDES - entraram numa armadilha criada por uma política econômica mal concebida, imprudente, mal executada e, obviamente, ineficaz.Os primeiros passos para esse desastre foram dados em 2009, no fim da recessão iniciada em 2008. A reativação da economia era a prioridade anunciada pelo governo. A ideia era ampliar e reforçar a política anticíclica inaugurada no começo da crise global. Para isso seria lançado o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), com transferência de recursos do Tesouro ao BNDES.Lançado para resolver um problema conjuntural, o programa seria de curta duração e os custos fiscais, limitados. Mas o esquema nunca foi extinto. A prorrogação inicial foi repetida regularmente nos anos seguintes e o PSI se manteve durante o mandato da presidente Dilma Rousseff. Só em 2014 o subsídio embutido nos empréstimos ao BNDES deve custar R$ 23 bilhões ao Tesouro.Os empréstimos do Tesouro ao BNDES e a outros bancos federais foram a reedição, com algumas alterações, de uma política encerrada no fim dos anos 80 com a extinção da famigerada conta movimento. Enquanto foi mantida, essa conta, por meio de transferências ilimitadas do Banco Central ao Banco do Brasil, dificultou a execução da política monetária e alimentou a inflação. A promiscuidade entre o Tesouro e os bancos federais interfere na política de crédito, prejudica a política fiscal e torna menos transparentes as contas públicas.Bastariam estes pontos para mostrar a inconveniência da relação espúria entre o Tesouro e os bancos oficiais. Mas o custo dessa imprudência é bem maior, porque envolve o mau uso de recursos obtidos por meio do endividamento público. Endividamento, sim, porque a transferência de dinheiro ao BNDES implica a emissão de títulos federais e, portanto, o aumento da dívida bruta. A dívida líquida também cresce, porque as operações são subsidiadas. Além disso, renegociar a dívida do BNDES resulta, no mínimo, em alongamento de prazos, com evidente prejuízo para as contas públicas.Pode-se apontar desperdício nessas transferências por mais de uma razão. Em primeiro lugar, porque uma grande parte dos empréstimos alimentados pelo PSI foi destinada a grandes estatais, como a Petrobrás, capazes de recorrer ao mercado para se financiar. Além disso, o BNDES tem concedido a maior parte de seus empréstimos a grandes grupos, igualmente em condições de buscar recursos no mercado interno e no internacional. Empresas menores têm normalmente muito mais dificuldade para ter acesso aos financiamentos.Mas ainda é preciso levar em conta os efeitos econômicos mais amplos dessa política. O BNDES deveria funcionar como uma alavanca do investimento produtivo. Mas o Brasil continua investindo menos que o necessário. Isso se explica tanto pela incompetência na concepção e na execução dos projetos de governo quanto pela hesitação do setor privado.De janeiro a agosto deste ano a produção de bens de capital foi 8,8% menor que a de um ano antes. Até setembro, a importação desses bens - máquinas e equipamentos - foi 5,7% inferior à dos meses correspondentes de 2013. Nos últimos quatro anos, o total investido pelo setor privado encolheu. Estatísticas produzidas pelo próprio governo comprovam, portanto, o fracasso do PSI como alavanca do crescimento econômico. Sobram, portanto, apenas o imbróglio fiscal e o desperdício.