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Qual a prioridade de Goldfajn?

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Por Redação
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O novo presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, deveria esclarecer de uma vez se considera possível atingir no próximo ano a meta oficial de inflação, fixada em 4,5%, ou se considera mais seguro transferi-la para 2018 ou qualquer outro ano. Esse esclarecimento é especialmente importante neste momento. É preciso indicar se o seu objetivo inicial é cortar os juros ou continuar batalhando para alcançar a meta oficial, fixada em 4,5%, até o fim do próximo ano. Segundo especialistas e fontes do mercado, seu discurso de posse apontou a redução da taxa básica de juros como nova prioridade da política monetária. É uma estranha interpretação, porque conflita com a maior parte de seus dois últimos pronunciamentos, o discurso perante os senadores, na sabatina da semana passada, e a fala dessa segunda-feira durante a transmissão de cargo.

Para mostrar esse conflito, convém reproduzir duas passagens do discurso de posse. No regime atual, disse o presidente Goldfajn, “o objetivo é cumprir plenamente a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, mirando o seu ponto central”. No mesmo parágrafo: “Os limites de tolerância estabelecidos servem para acomodar choques inesperados na inflação, que não permitam a volta ao centro da meta em tempo hábil”. Numa interpretação rigorosa, o significado é muito simples e claro: usar a margem de dois pontos para mais, até 6,5%, só se justifica em situações muito especiais.

Que “choques inesperados” estão presentes? O principal obstáculo, o enorme desajuste fiscal, está longe de ser inesperado. Alta do dólar, por causa de um possível aumento dos juros americanos? Também isso já está no radar há muito tempo. Por esse critério, continuar buscando um resultado até o limite de 6,5% é injustificável – se as palavras do novo presidente do BC tiverem algum vínculo com os fatos.

Segunda passagem: “Tendo em conta que o único alvo a ser perseguido pela autoridade monetária é o centro do intervalo definido pelo Conselho Monetário Nacional e a importância do adequado gerenciamento das expectativas, quando ocorrerem raros, fortes e infrequentes choques que levem a inflação para fora do intervalo de confiança da meta, é relevante que a trajetória de convergência ao centro da meta seja ao mesmo tempo desafiadora e crível”. Qual o choque “raro, forte e infrequente” observado neste momento? Algum desses adjetivos será aplicável ao desajuste das contas públicas? Ou à oscilação cambial?

Resta examinar dois adjetivos. Buscar a meta de 4,5% até o fim de 2017 implicaria seguir uma “trajetória desafiadora”, mas o compromisso faria sentido. Resta saber se essa trajetória seria crível, na opinião do presidente Goldfajn.

Segundo a pesquisa Focus divulgada na segunda-feira passada pelo BC, a mediana das projeções do mercado aponta uma inflação de 4,69% em 2020, depois de alguns anos de lento declínio. Para 2017, as estimativas indicam 5,47%, quase um ponto acima da meta.

Estaria o novo presidente do BC pensando nessas projeções, quando falou em trajetória “crível”? Se esse for o caso, estará ocorrendo uma troca de papéis: em vez de gerenciar as expectativas, a política monetária estará sendo gerenciada pelas avaliações do mercado. Afinal, nenhuma decisão de política monetária foi ainda tomada, pelo menos explicitamente, sob a nova chefia. Ou terá sido tomada, implicitamente, se for correta a interpretação de uma nova prioridade, o corte de juros.

Ainda na posse, o presidente Goldfajn mencionou como “elemento essencial da política monetária, e do regime de metas de inflação em particular”, uma comunicação contínua, “simples, direta e concisa”, destinada a “transmitir da melhor forma a visão do Banco Central”. Mas, se a interpretação do mercado estiver correta, faltará explicar como se conciliam as afirmações sobre os choques inesperados, fortes e infrequentes com a disposição, na ausência desses choques, de cortar juros e alongar o prazo para o alcance da meta. A lógica também é um pressuposto das boas políticas.