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Opinião|Quando a queda do governo é a solução...

Atualização:

O atual governo cumpriu apenas um sexto do mandato, mas se dependesse da opinião da maioria dos brasileiros já deveria ter chegado ao fim. As pessoas sentem que essa é uma condição necessária para desatar o novelo das crises econômica, social, política e moral, que se entrelaçam de forma perversa.

Acontece que o sistema brasileiro é presidencialista: o chefe do governo, eleito por quatro anos, não pode ser removido do cargo antes do tempo, mesmo que se tenha revelado incompetente e/ou traído seus compromissos de campanha.

No presidencialismo a interrupção de mandato exige outros motivos, como crimes comuns ou de responsabilidade, num processo arrastado e penoso.

Fosse vigente o parlamentarismo, o atual governo já teria sido obrigado a renunciar, sem traumas maiores – bastariam as derrotas sofridas no Congresso e a rejeição da opinião pública. Nesse sistema existe, sim, o cargo de presidente da República, mas ele é o chefe de Estado e representa a nação. Não define as prioridades nacionais nem governa o país no dia a dia. Quem faz isso é primeiro-ministro, nomeado pelo presidente e apoiado pela maioria do Congresso. Ele é o chefe do governo: elabora seu plano de ação e preside o gabinete de ministros.

Se aquela maioria se desfizer, numa espécie de voto de desconfiança no governo, o gabinete de ministros vai embora.

O primeiro-ministro renunciante pode até pedir ao presidente que convoque novas eleições parlamentares, cujo resultado ou lhe devolve a maioria ou o levará a se demitir de uma vez. 

É o que está acontecendo na Grécia, onde Alex Tsipras, o primeiro-ministro, perdeu o apoio da ala esquerda do seu partido, renunciou e pediu ao presidente a dissolução da Câmara de Deputados e a convocação de nova eleição. Os deputados não querem isso, pois muitos temem não ser reeleitos. Por isso mesmo os partidos estão procurando compor outra maioria que dê sustentação a novo governo, baseado no entendimento sobre o que fazer para enfrentar a crise econômica.

Se der certo, haverá novo primeiro-ministro. Se não, as eleições serão inevitáveis e Tsipras pode até voltar fortalecido, caso seus atuais apoiadores cresçam nas urnas. Seu nome, hoje, é bem visto por mais de 60% dos gregos. Como disse a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, em recente visita ao Brasil, “no parlamentarismo, a renúncia não é um componente da crise. A renúncia é a solução”. 

O parlamentarismo, de fato, permite absorver melhor mudanças de governo e de políticas. Mas há objeções a esse sistema: a mais comum, e nem por isso menos equivocada, parte da ideia de que o Legislativo passaria a ser excessivamente forte. Nada mais falso. O Congresso, no presidencialismo brasileiro, já tem imensos poderes – derruba vetos, rejeita medidas provisórias, aprova bombas fiscais, emendas à Constituição, faz CPIs e até destitui presidentes, como no caso Fernando Collor. No parlamentarismo o Congresso é obrigado a assumir mais responsabilidades e a ter mais responsabilidade.

Não dá para uma maioria integrar o governo e, ao mesmo tempo, votar contra projetos essenciais do Executivo – ou, então, aprovar outros que contrariem o programa do primeiro-ministro. Se o fizer, o governo se liquefaz, dando lugar a outro tipo de coalizão parlamentar, sem falar da possibilidade de serem convocadas novas eleições.

Na Constituinte, o sistema parlamentarista só não foi aprovado por causa de um grande equívoco das forças que o defendiam. O então presidente José Sarney (1985-1989) dispôs-se a apoiá-lo, mas, em troca, pretendia exercer o seu mandato durante cinco anos, e não quatro, como queriam os parlamentaristas.

Por incrível que pareça, aquelas forças, que eu integrava – juntamente com Ulysses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, José Richa, Roberto Freire e tantos outros –, recusaram o acordo, insistindo nos quatro anos.

Armou-se o confronto e os partidários de Sarney organizaram a derrota do projeto, agregando os constituintes que seguiam a liderança dos presidencialistas Orestes Quércia, então governador de São Paulo (PMDB), Marco Maciel, guru do PFL, e Leonel Brizola, líder do PDT e com grande influência nos eleitorados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.

A defesa do parlamentarismo foi um dos primeiros fatores da criação do PSDB, surgido de uma dissensão do PMDB, no fim da Constituinte. Todos os fundadores, sem exceção, batalhavam pela implantação do sistema. Por isso mesmo hoje me sinto confortável ao defender no meu partido a retomada da bandeira parlamentarista, não apenas como fidelidade às nossas origens, mas pela estabilidade e pela governabilidade do País. 

Que fique bem claro: não estou propondo a introdução do sistema parlamentarista como remendo destinado a resolver a atual crise política, tampouco para empurrá-la com a barriga. Ambas as coisas foram feitas na crise que sucedeu à renúncia de Jânio Quadros, aos sete meses de mandato, em 1961. Os militares opuseram-se à posse do vice-presidente João Goulart, que viajava pelo exterior. Mas aceitaram que Jango assumisse o cargo se fosse aprovado o parlamentarismo. Dito e feito! Mas o resultado foi desastroso, pois, ao invés de fortalecer o novo sistema, Goulart empenhou-se na sua derrubada, que ocorreu 16 meses depois.

A ideia é que, nos próximos anos, preparemos a implantação do sistema nas eleições de 2018, para vigorar a partir de 2019. Não é pouca coisa: debater no Congresso e na sociedade, negociar com os diferentes partidos, encontrar o formato mais adequado ao Brasil e preparar as emendas e leis necessárias, incluindo a da profissionalização da direção dos órgão públicos, um corolário natural do parlamentarismo. Paralelamente, estudar as condições do referendo que provavelmente será necessário.

Angela Merkel está certa: precisamos de um sistema em que a queda de um governo pode ser a solução, não o problema.

*José Serra é senador (PSDB-SP)

Opinião por José Serra