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Quando esperar é pouco

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Por Redação
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Segunda maior empreiteira de obras do País, a Andrade Gutierrez publicou ontem em vários jornais um extenso comunicado, sob o título Pedido de desculpas e manifesto por um Brasil melhor, no qual admite os “erros” praticados na forma de pagamento de propina a agentes públicos, confirma que pagará à União uma indenização de R$ 1 bilhão, anuncia que está implementando “um moderno modelo de compliance, baseado em um rígido Código de Ética e Conduta”, associa-se ao esforço do Ministério Público Federal para “aprimorar os mecanismos legais anticorrupção” e oferece sugestões destinadas a “criar uma nova relação entre o poder público e as empresas nacionais com atuação em obras de infraestrutura”.

A indenização bilionária aos cofres públicos será paga nos termos do acordo de leniência que a Andrade Gutierrez começou a negociar com o Ministério Público Federal em outubro do ano passado e já homologado. O cumprimento desse acordo permite que a empreiteira continue participando de licitações de obras públicas. Além disso, 11 ex-executivos da empresa, inclusive o ex-presidente Otávio Marques de Azevedo, fizeram delações premiadas.

O “sincero pedido de desculpas ao povo brasileiro” feito pela Andrade Gutierrez é a admissão cabal de que, enquanto o governo petista funcionava, o País estava mergulhado no mar de lama em que, com a cumplicidade das grandes empreiteiras, o PT e seus parceiros dilapidaram o patrimônio público em troca de “doações legais, registradas no TSE”, quando não simplesmente transformadas em “caixa 2”, destinadas a abastecer suas campanhas eleitorais e fazer a fortuna de políticos e outros intermediários corruptos. As delações premiadas feitas pela turma da Andrade Gutierrez revelam, segundo se apurou, a extensão do esquema de distribuição de propinas para muito além da Petrobrás, abrangendo praticamente todos os grandes projetos de infraestrutura tocados pelo governo federal. Apenas na obra da Hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, o ex-presidente da empreiteira confessou o pagamento de propinas no montante de R$ 150 milhões destinadas ao PT e ao PMDB.

A atitude da Andrade Gutierrez de desculpar-se publicamente por sua participação na farra da propina patrocinada pelo governo do PT e de se dispor a colaborar para “aprimorar os mecanismos legais anticorrupção” é um bom exemplo a ser seguido pelas empresas que atuam no setor de infraestrutura porque desse novo comportamento diante dos negócios, da lei e do interesse público depende o combate eficaz a essa praga – o conluio espúrio entre a iniciativa privada e agentes governamentais – que conspira contra o regime democrático e compromete a economia de mercado, que se sustenta no princípio da livre concorrência.

O cartel de empreiteiras desmontado pela Operação Lava Jato representa o acumpliciamento de um importante setor da iniciativa privada com agentes de um governo que se apresenta como “de esquerda”. Paradoxalmente, essa ação se transforma em forte argumento para crítica da esquerda à economia de mercado, a partir do princípio de que empresários “só pensam em dinheiro”. A visão estreita, imediatista, antidemocrática e impatriótica que está na raiz desse cartel de empreiteiras do qual a Andrade Gutierrez agora se penitencia de ter feito parte serve, portanto, para desmoralização da economia de mercado que, por sua vez, é fundamento do regime democrático.

Vale também atentar para um sutil detalhe do texto da Andrade Gutierrez: “Sabemos que essas mudanças não serão possíveis se não houver o engajamento de todos os agentes do setor de infraestrutura e de toda a sociedade. Dessa forma, a Andrade Gutierrez espera que as entidades que representam o setor de infraestrutura (...) se juntem em um movimento que possa definitivamente trazer mais transparência e eficiência para todo o mercado, resultando em um Brasil melhor”. No caso, esperar é pouco. A situação do País exige posturas muito mais imediatas e proativas.