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Opinião|Que ações se seguirão às palavras do papa?

Atualização:

Não há como não ressaltar a fortíssima repercussão – e os aplausos – da encíclica Laudato Si, do papa Francisco, principalmente as questões ali relacionadas com meio ambiente – uma delas, a dos recursos hídricos. Da mesma forma, não se pode deixar de ver que os temas da concentração da renda no mundo, dos dramas da pobreza, assim como a proposta de um governo supranacional, tiveram atenção muito mais reduzida, apesar de quase explosivos. Também é instigante verificar a coincidência da encíclica em temas centrais – como o da água – com os enunciados na mesma semana por um novo documento da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. O próprio presidente Barack Obama elogiou publicamente o documento do papa, ainda que concentrando seu pensamento nas ditas questões ambientais. Pode-se começar pela questão dos recursos hídricos, com base em estudos da Nasa decorrentes de registros de satélites (pesquisas de 2003 a 2013). Neles se ressalta que “o mundo caminha para a falta de água” (The Washington Post, 16/6) e que 21 dos 37 maiores aquíferos subterrâneos do mundo (estes fornecem 35% da água usada pela humanidade) “estão sendo exauridos em níveis alarmantes”, pois a retirada é maior que a reposição (que pode levar milhares de anos). E isso acontece simultaneamente com algumas das secas mais fortes da história, inclusive nos EUA (e no Nordeste brasileiro, poder-se-ia acrescentar). Curiosamente, os satélites indicam ainda que muitos desses repositórios “são menores do que se admitia”. No Norte da África e no Paquistão a falta de água poderia levar à “instabilidade política”. As situações mais graves estão no Aquífero Arábico (que atende 60 milhões de pessoas) e o Murzuk-Djado (Líbia e Níger, na África). Mas há situações graves nos EUA, em regiões do Pacífico e do Atlântico. E em muitos lugares a situação é agravada pela retirada de água para irrigação de lavouras, área em que os pesquisadores japoneses apontam forte nível de evaporação contribuindo para a elevação do nível do mar nas últimas décadas. O clima tem sido fator decisivo no campo dos recursos hídricos, diz a Nasa. Regiões próximas do Equador tendem a tornar-se mais secas e as de grandes latitudes a ficar mais úmidas e com chuvas mais fortes. Já a encíclica papal investe pesadamente contra a “crescente tendência à privatização” dos recursos hídricos no mundo, “apesar de sua escassez” – e tendendo a transformá-lo “em mercadoria, sujeita às leis do marcado” –, o que “prejudicaria muito os pobres. E a água continua a ser desperdiçada, em países ricos e menos desenvolvidos. O conjunto de causas leva a um aumento do custo de alimentos – a ponto de vários estudos indicarem um déficit de recursos hídricos em poucas décadas, afetando “bilhões de pessoas”. E também seria admissível pensar que “o controle da água por grandes empresas multinacionais de negócios” pode tornar-se “um dos fatores mais importantes de conflitos neste século”. Pode levar também à dramática perda da biodiversidade, que se ressente ainda da ação de produtos químicos nas lavouras. Neste ponto, a encíclica é muito direta e dura ao ressaltar que na Amazônia e na bacia do Congo “interesses globais, sob pretexto de protegê-los, podem solapar a soberania das nações”. Já há até – diz o documento – “propostas de internacionalização da Amazônia, que serviriam apenas aos interesses econômicos de corporações transnacionais”. Palavras tão fortes levam o ex-ministro do Meio Ambiente Rubens Ricupero a dizer que a encíclica “repete uma ideia que não é nova dentro da Igreja, mas é radicalíssima: a necessidade de criar uma alta autoridade internacional, um governo supranacional”. Nada mais, nada menos. Ricupero também diz que sua impressão mais forte no documento foi a tese do “decrescimento”: “Afirmar que deve ser necessário que sociedades muito avançadas aceitem a ideia do decrescimento, essa ‘volta para trás’, é uma das ideias mais radicais que já vi”. E o papa ainda avança por terrenos como o do lixo, em que pensa que a exportação de resíduos sólidos e líquidos tóxicos “para países em desenvolvimento”, assim como o dano causado pela poluição das empresas que operam nessas nações, são problemáticos e não seriam permitidos nos países de onde elas saem. E ainda avança por terrenos como o do controle internacional da dívida externa dos países mais pobres. Da mesma forma, o uso de reservas da biosfera, que “continua a alavancar o desenvolvimento dos países mais ricos”. Só que “o ambiente natural é um bem coletivo, patrimônio de toda a humanidade”. Não é preciso estender a discussão para cada um dos tópicos do pensamento do papa. Nem sobre o significado de cada observação dos estudos da Nasa. São dois documentos que nos põem diante das questões cruciais para a humanidade nestes tempos conturbados. Não há como fugir a elas em nenhum lugar. Principalmente porque, como registrou neste jornal artigo de Giovanna Girardi, “os próprios cientistas quase dão graças a Deus”, ao encontrarem um aliado tão forte. De fato, é assim. Numa mesma semana juntam-se as vozes da Igreja Católica (mais de 1 bilhão de seguidores no mundo), da ONU (nas palavras de seu secretário-geral Ban Ki-moon) e de órgãos como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), além da quase unanimidade do pensamento científico. Convém, então, que prestemos muita atenção a documentos como os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que aponta milhões de brasileiros vivendo na miséria e outras dezenas de milhões abaixo do nível da pobreza. Ou o relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, da Agência Nacional de Águas, que aponta graves problemas nas regiões hidrográficas do Atlântico Leste e Nordeste Oriental, assim como no São Francisco. Como escreveu (18/6) o diretor executivo do Pnuma, Achim Steiner, “a hora de agir é agora”.*Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Opinião por Washington Novaes