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Opinião|Quem gosta do Brasil é estrangeiro

Os envergonhados por aqui terem nascido são herdeiros do vício da crítica ‘patriótica’

Atualização:

Deve ser difícil viver no Brasil para aqueles que não gostam do País. Não são poucos. Não se situam particularmente em nenhuma região do País. Não exercem nenhuma profissão ou atividade específica, nem frequentam este ou aquele local. Tampouco são de determinada faixa etária. Não têm características específicas, salvo uma: pertencem, em geral, às elites endinheiradas e, dentre elas, àquelas que enriqueceram ou ficaram “bem de vida” mais recentemente.

Os brasileiros envergonhados por aqui terem nascido são herdeiros do vício da crítica “patriótica”, que constitui uma herança antiga, sedimentada, que se tornou, nas várias épocas e nos vários períodos, um modismo que não saiu de moda. Durante anos, séculos, são repetidas as mesmas ladainhas derrotistas, o mesmo cântico pessimista o mesmo poema deletério, cujas entonações se tornaram mania nacional.

Verberam as nossas características, o nosso modo de ser, a nossa cultura, mas nada fazem para mudar a realidade, para construir um País melhor. Apontam o dedo acusador e lavam as mãos, como se não tivessem nenhuma dose de responsabilidade. Aliás, essas pessoas, sim, têm deveres para com o país que tudo lhes deu e que delas, em regra, pouco ou nada teve em troca. A sua “retribuição” é um mal disfarçado desejo de terem nascido em outras plagas.

Exteriorizam a sua insatisfação de forma candente e constante, mas igualmente a demonstram importando hábitos, costumes, maneiras de se trajar, culinária e tantas outras imitações. Um antropólogo, de cujo nome não me recordo, afirmou que a adoção dos padrões estéticos europeu e norte-americano representava um “fenômeno patológico da psicologia brasileira”.

Está na hora – espero que não seja tardia hora – de reconhecermos que estamos habilitados, com nossas peculiaridades, a solucionar problemas e superar obstáculos, especialmente utilizando a nossa inteligência criativa e grande capacidade de improvisação. Precisamos tomar consciência de que temos uma especial percepção das coisas do mundo que nos permite encarar os problemas e suprir as nossas carências. Podemo-nos aprimorar como povo e como nação, em vez de copiarmos modelos e soluções que deram certo lá fora, com base no modo de pensar e agir de outros povos, mas que não se amoldam a nós.

Definitivamente, precisamos deixar de ser “Narcisos às avessas” e abandonar o nosso complexo de “cão vira-lata”, nas expressões de Nelson Rodrigues.

O reconhecimento de nossas qualidades e a crença na possibilidade de suprirmos as nossas deficiências e carências constituem uma posição permanente daqueles que de outros cantos para cá vieram. Eles retribuem com a sua força de trabalho as possibilidades que lhes foram dadas e agradecem a acolhida com o amor que dedicam ao País.

Embora possa parecer incabível a comparação, tomo a liberdade de traçar um paralelo entre os brasileiros envergonhados e os torcedores de futebol cujos times foram rebaixados para divisões inferiores. O golpe fê-los sofrer, procuraram culpados pelo até então inconcebível revés, derramaram lágrimas, mas se mantiveram altivos e o clube permaneceu inatingível, foi preservado.

Não se ouviu nenhum dos torcedores dos clubes rebaixados dizer que mudaria de agremiação. Não se ouviu nenhuma manifestação que representasse, diante da frustração, desapreço ou desrespeito pelo clube respectivo. E neste ponto reside a diferença: a instituição foi preservada e não foi confundida com a má administração de seus dirigentes.

A adoção de expressões extraídas da língua inglesa em substituição a palavras nossas, especialmente em comunicações comercias, é um eloquente exemplo da insatisfação pelo que é nosso, tendo a língua portuguesa como exemplo. Produtos, lojas comerciais, cartazes, faixas de propaganda, caminhões de entregas parecem querer valorizar e realçar as respectivas marcas e para tanto usam o inglês, pois a nossa língua é considerada de menor valia.

Esse “vício nacional”, qual seja, o desprezo pelo que é nosso, foi retratado pela música popular brasileira, que desde a década de 1930 ironiza com humor, por meio de deliciosos sambas, o mau hábito da importação linguística.

Lamartine Babo compôs e Joel de Almeida gravou Canção para Inglês Ver. A letra é hilária, ironiza o uso de expressões estrangeiras, misturando-as com palavras nacionais. Não há nenhuma lógica, nenhum nexo entre elas. Há, sim, a demonstração de um refinado senso de humor da parte de Lamartine, mostrando que a mistura das línguas torna a comunicação entre as pessoas confusa, ininteligível, e muitas vezes não expressa com fidelidade o que se pensa e o que se quer dizer.

Noel Rosa, na sua composição Não Tem Tradução, critica a agressão ao nosso idioma, pontuando que “as rimas do samba não são ‘I love you’” e que “esse negócio de alô boy e alô Jonny só pode ser conversa de telefone”.

Assis Valente, pela voz de Carmen Miranda, verberou o estrangeirismo quando afirmou ficar feio para “você, mulato frajola que nunca frequentou as aulas da escola”, essa “mania do inglês”. Diz o samba não ser mais “boa noite nem bom dia, e sim good morning ou good night”. Assis e Carmen arrematam a canção com uma linda mensagem, “ensinaremos cantando a todo mundo b-e-bé, b-i-bi, b-a-ba”, assumindo um compromisso com a nossa língua, “antes que a vida se vá”.

O apreço pelas nossas características, pela nossa cultura, e o reconhecimento de nossas qualidades não impedem as críticas. No entanto, o País, como ente abstrato, não pode ser responsabilizado pelas adversidades. Que os críticos contumazes se espelhem nos estrangeiros, que amam e são gratos ao país que os escolheu e ao qual eles tanto deram em troca. O Brasil.

*Advogado criminalista

Opinião por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira